O Mundo às Avessas

“O Legionário”, N.º 161, 23 de dezembro de 1934

 

A quem leu o manifesto da “Frente Única de Luta de todos os estudantes pela democratização do ensino e pela democracia escolar” não hão de ter passado desapercebidos os perigos que ameaçam a nossa juventude, e a fraqueza ou mesmo a decadência intelectual dos que supomos falarem em nome dessa mocidade. Reconhecendo aliás a necessidade de uma remodelação completa de nosso ensino, elevando-o e dando possibilidades ao desenvolvimento dos verdadeiros valores espirituais, não podemos contemplar sem tristeza a anarquia do pensamento dos moços das escolas.

Propõe o manifesto “à massa estudantina em geral, a formação de uma ampla frente única de massas para a luta em comum...”, visa “transformar as lutas parciais de agora numa ampla luta contra todo esse estado de coisas que sufoca e oprime os estudantes”. Visa ainda, “através da pressão da massa estudantil organizada, através de comícios, passeatas e demonstrações, da greve geral dos estudantes de São Paulo a caminho da greve geral de todos os estudantes do Brasil, levar o governo a atender às nossas justas reivindicações, reformando de cima abaixo (sic) o nosso sistema educacional, permitindo o seu acesso a todos os que têm sede de cultura, criando uma verdadeira e sadia democracia escolar”. E como base para essa reforma, verdadeiramente de “cima a baixo”, propõe, entre outros, os seguintes pontos:

“5. Livre transferência dos estudantes de uma escola para outra.

“6. Direito de administrar e dirigir as próprias escolas (superiores, secundárias, profissionais e normais) em igualdade de condições com os Conselhos Técnicos de professores, as Diretorias ou Congregações. Idêntica representação no Conselho Universitário.

“7. Plena liberdade de freqüência, sem nenhum empecilho para os alunos entrarem e saírem da escola quando bem entenderem.

“12. Direito dos alunos participarem na escolha de seus professores e de revogá-los quando o desejarem.

“13. Ampla liberdade de organização, propaganda, greve e reunião inclusive nos recintos das escolas, para a defesa de seus interesses.

“14. Direito dos alunos de tiro de guerra escolherem seus próprios instrutores. Abolição do ensino militar obrigatório e introdução do ensino militar para todos que o desejarem.

“15. Contra o sistema de exames orais, pela adoção do regime de médias.

“21. Exames de 2ª época para todos os estudantes independentemente da escola a que pertençam ou do número de matérias.”

Não se esquecem tampouco dos passatempos, pois no terceiro item pedem 50% de abatimento nas entradas das casas de diversões!... E depois de tudo isso, afirmam corajosamente que, com a “conquista e aplicação” desse programa, ter-se-á “um dos meios mais poderosos para a liquidação do analfabetismo em nosso país, para a elevação de nosso nível cultural” (!)

Isso o que quer o comitê estudantil. Apelo às massas e não à razão, apelos repetidos e contínuos à luta e não à cooperação; é claramente a revolta das inferioridades, que pedem a seguir as maiores regalias, desde a livre transferência, liberdade de freqüência e adoção do regime de médias, até “exames de segunda época para todos os estudantes” e para qualquer “número de matérias”! E como se não bastasse isso, querem ainda ter direitos administrativos nas escolas, possuírem o direito de veto na escolha dos professores e até na dos sargentos instrutores de linhas de tiro: é exatamente o mundo às avessas, quem tem autoridade, sujeito a quem não a possui; quem ensina, sujeito a quem aprende!

Tudo isso seria ridículo se não estivesse tão evidente a origem do manifesto. Raros são os documentos públicos nos quais esteja tão claramente exposta a ideologia marxista desorganizadora da sociedade. No valor dado às massas, no ideal de luta, na inversão hierárquica que preconiza, no espirito de revolta que se nota em suas linhas, respira-se a mais completa erudição soviética. Nesse sentido ele é um índice de grande valor; mostra o trabalho lento de sapa a que nossa mocidade é submetida pelos doutrinadores comunistas. Precioso sinal de alarme, pois, que não deve ser desprezado.