Krishnamurti

“O Legionário”, N.º 160, 9 de dezembro de 1934

 

O pensamento de Helena Blayatsky, russa de nascimento e portanto mais asiática que européia, deu origem ao teosofismo. Este encontrou em Annie Besant e em Leadbeater, seus maiores propagandistas; em Rudolph Steiner, seu primeiro reformador. Trazendo em seu corpo de doutrinas as linhas mestras das crenças indianas e dotado de uma estrutura de caráter nitidamente [oculto], ele se propagou mais ou menos rapidamente pelo mundo ocidental, pretendendo ser o restaurador dos princípios espirituais da humanidade. Oferecendo aos homens um panteísmo ateísta, consubstanciado na definição de Deus como sendo o Pensamento Absoluto, razão pela qual não existe, e uma imoralidade na terra, representada pela crença na reencarnação, faltava-lhe ainda alguém que fosse, por assim dizer, a encarnação de seus princípios doutrinários. Foi então que Annie Besant descobriu Krishnamurti, apresentando-o ao mundo como o “novo Messias”, a “reencarnação de Buda”, o avatar da nova época.

É também conhecida a personalidade desse jovem hindu, cuja visita ao Brasil está anunciada para o próximo ano. Universitário de Oxford, esportista, culto e elegante, preferiu renunciar ao pomposo título que recebera para ser apenas um filósofo. Mas, “Messias” ou apenas um filósofo,  sabe-se muito bem o que ele e os teosofistas pretendem. Na luta contra a civilização cristã, todas as armas são boas e todos os inimigos se unem. Porque não procurar vencê-la, substituindo-a pelo velho Buda, que abandona sua clássica posição contemplativa e passa a viajar em aeroplano? Ele traz um pensamento tão agradável aos homens, uma doutrina tal que ninguém deixará de o seguir. Quer apenas que cada um pense livremente, destruídas as velhas doutrinas, porque “o mundo já não precisa de muletas”! E assim, o Buda em sua reencarnação do século XX, destrói e nega o Buda antigo, e o avatar, o Messias da nova época, ao invés de traçar uma norma à humanidade, adapta-se prazenteiro à vontade dessa mesma humanidade.

Desse modo pretende a Teosofia substituir o Catolicismo; era esse o grande sonho de sua fundadora, que de uma união entre [...] o ocultismo, o espiritismo, o orientalismo e o misticismo, se propunha a fundar uma religião tão adaptada ao nosso século que seria aceita por todos os homens. Seria essa a religião do futuro, a Teosofia, tomando o lugar do Cristianismo. E para doutrinador dessa nova religião, inventou um filósofo que não é filósofo, um Messias que não doutrina. Poder-se-ia perguntar então porque motivo a Teosofia constitui um corpo doutrinário, porque se divide em lojas e se dissemina pelo mundo, porque publica livros onde expõe idéias que considera como suas. Se o Buda reencarnado, ou o filósofo que seja, não traz uma nova palavra ao mundo, por que segui-lo e por que ser teósofo? Sendo livre o pensamento humano, por que não deixar o homem onde está, disciplinado pela doutrina de Cristo? Mas Krishnamurti não o quer assim. Ele quer que sejam rompidas as tradições do passado, quer, em uma palavra, substituir-se a Cristo. O pensamento só será livre para aceitar essa mistura confusa de Budismo e de Panteísmo que é a religião fundada por Helena Blayatsky.

Krishnamurti virá pois ao Brasil; poderão assim os teósofos, os espiritualistas, os orientalistas [...] beber suas palavras inócuas, contemplar, apalpar mesmo, o Buda reencarnado! Certamente a nossa imprensa levará para suas páginas o menor de seus gestos, e amplas discussões se estabelecerão em torno de suas doutrinas (sic)! Suas conferências serão ouvidas religiosamente e comentadas ardentemente. Depois ele se retirará para outras terras, levando a outros povos sua filosofia nirvânica. Em nada porém deixará de ser um homem como qualquer outro; inútil procurar nele a autoridade do Messias que manda aos elementos com poder divino. Este só pertence a Jesus Cristo e com Ele à Sua Igreja; e não será um Krishnamurti que abalará seus alicerces!