Conheci o atual Ministro da Justiça em condições
especiais.
Quando se debatia nos bastidores da Constituinte o
projeto da promulgação de uma Constituição provisória, a Bancada Paulista opôs,
aliada a todo o elemento católico, uma resistência invencível às manobras do Club 3 de Outubro.
Houve certa fase dos “pourparlers” [conversações], em
que pareceu definitivamente vitorioso nosso ponto de vista hostil à
Constituição provisória, e eu me aprestava a embarcar à noite para São Paulo,
onde reclamavam minha presença assuntos da maior gravidade.
Já estava eu no hotel, de malas arrumadas, quando
um telefonema de Antônio de Alcântara Machado me cientificou de
uma súbita transformação da situação, de que convinha que eu me inteirasse com
minúcias, para trazer pessoalmente ao conhecimento do Sr. Armando Salles de
Oliveira.
Por este motivo passei, antes de embarcar, pela
Secretaria da Bancada. Chegado ao edifício Guinle me
esperava à porta o “deputado n.º 23” (assim chamávamos ao dedicado e
competentíssimo Secretário da Bancada, sob todos os pontos de vista digno de
ser também deputado) que, de olhos arregalados, me foi logo dizendo: “Está tudo perdido: à última hora,
fracassaram todas as combinações e a Constituição provisória parece inevitável.
Papai lhe pede que informe de tudo ao Dr. Armando e que se encontrar o Dr. Ráo no Cruzeiro - ele volta também hoje para São Paulo - o
ponha ao corrente do novo aspecto que tomou a situação.”
No vagão-restaurante do Cruzeiro, encontrei
efetivamente o Sr. Vicente Ráo, e a gravidade das notícias que eu lhe trazia nos
conduziu de plain
pied, feitas as apresentações preliminares, a uma
longa conversa, em que a gravidade do perigo a conjurar e a absoluta identidade
de pontos de vista criou desde logo um ambiente de intimidade.
Tive, então, ocasião de constatar a acuidade de
inteligência, a plasticidade de espírito e o poder de persuasão do homem a quem
eu considerava como a sentinela do Brasil atual, disposto a defendê-lo encarniçadamente tanto contra os inovadores quanto contra
os renovadores, contra os destruidores como contra os restauradores ou os
instauradores.
Ministro da Justiça, resolveu ele assestar desde
logo as baterias conjuntas de seu poder, de sua cultura e de sua inteligência
contra seus adversários de sempre, e ei-lo a preparar
um projeto de lei contra os “extremismos”, que é uma corda com que deseja
enforcar numa ponta o comunismo e na outra o não
menos execrado integralismo.
Católico, exclusivamente católico, é bem clara
minha intenção de me manter rigorosamente alheio a todo e qualquer partido ou
“ação” política, para consagrar todo o meu tempo e toda minha energia, até o
menor dos meus minutos e o último dos meus esforços, pela causa da Igreja.
E da sinceridade desse propósito penso ter dado
arras superabundantes, recusando as cadeiras de deputado que, com tão honrosa
insistência, me foram oferecidas pelas maiores correntes políticas de São
Paulo.
A despeito da simpatia que me merece, permitirá, pois,
o Sr. Ministro da Justiça que desaprove, muito imparcial e categoricamente, sua
resolução, apontando à execração pública, atados ao mesmo pelourinho, os
adeptos de Marx e de Plinio Salgado.
Com a mesma franqueza com que tenho assinalado aos
meus numerosos amigos integralistas, as omissões e as indefinições ainda tão
freqüentes na sua doutrina, insurjo-me agora contra a designação genérica de
“extremistas” com que se pretende irmaná-los com os mais irredutíveis
adversários da ordem social.
Tomem-se as leis humanas e divinas, tente-se fazer
funcionar um Estado pela sistemática violação de tais leis e ter-se-á o
comunismo. Pois não é ele réu dos mais negros crimes contra Deus, e das mais
graves violações dos Códigos penais de todas as nações civilizadas, desde o
roubo ao lenocínio?
O integralismo, pelo contrário, afirma Deus, a
propriedade, a família. Procura outrossim organizar uma resistência
anticomunista de que, freqüentemente, a polícia não é capaz. A mais negra
acusação que, a meu ver, se possa fazer ao integralismo não passa de elogio
róseo perto do menor dos delitos comunistas, e esta proposição continua
verdadeira ainda que nos transportemos do ponto de vista católico, em que nos
colocamos, para o ponto de vista liberal em que está o Sr. Ministro da Justiça.
É com toda a solidariedade dos católicos, pois, que
merece aplausos a repressão ao comunismo, é com o meu mais formal protesto que
se coloca o integralismo ao lado daqueles quando é certo que nem sequer podem
ser articulados contra eles as tropelias selvagens que foram o preço do triunfo
do fascio ou do hitlerismo.