Extremismos

“O Legionário”, N.º 160, 9 de dezembro de 1934

 

Conheci o atual Ministro da Justiça em condições especiais.

Quando se debatia nos bastidores da Constituinte o projeto da promulgação de uma Constituição provisória, a Bancada Paulista opôs, aliada a todo o elemento católico, uma resistência invencível às manobras do Club 3 de Outubro.

Houve certa fase dos “pourparlers” [conversações], em que pareceu definitivamente vitorioso nosso ponto de vista hostil à Constituição provisória, e eu me aprestava a embarcar à noite para São Paulo, onde reclamavam minha presença assuntos da maior gravidade.

Já estava eu no hotel, de malas arrumadas, quando um telefonema de Antônio de Alcântara Machado me cientificou de uma súbita transformação da situação, de que convinha que eu me inteirasse com minúcias, para trazer pessoalmente ao conhecimento do Sr. Armando Salles de Oliveira.

Por este motivo passei, antes de embarcar, pela Secretaria da Bancada. Chegado ao edifício Guinle me esperava à porta o “deputado n.º 23” (assim chamávamos ao dedicado e competentíssimo Secretário da Bancada, sob todos os pontos de vista digno de ser também deputado) que, de olhos arregalados, me foi logo dizendo: “Está tudo perdido: à última hora, fracassaram todas as combinações e a Constituição provisória parece inevitável. Papai lhe pede que informe de tudo ao Dr. Armando e que se encontrar o Dr. Ráo no Cruzeiro - ele volta também hoje para São Paulo - o ponha ao corrente do novo aspecto que tomou a situação.”

No vagão-restaurante do Cruzeiro, encontrei efetivamente o Sr. Vicente Ráo, e a gravidade das notícias que eu lhe trazia nos conduziu de plain pied, feitas as apresentações preliminares, a uma longa conversa, em que a gravidade do perigo a conjurar e a absoluta identidade de pontos de vista criou desde logo um ambiente de intimidade.

Tive, então, ocasião de constatar a acuidade de inteligência, a plasticidade de espírito e o poder de persuasão do homem a quem eu considerava como a sentinela do Brasil atual, disposto a defendê-lo encarniçadamente tanto contra os inovadores quanto contra os renovadores, contra os destruidores como contra os restauradores ou os instauradores.

Ministro da Justiça, resolveu ele assestar desde logo as baterias conjuntas de seu poder, de sua cultura e de sua inteligência contra seus adversários de sempre, e ei-lo a preparar um projeto de lei contra os “extremismos”, que é uma corda com que deseja enforcar numa ponta o comunismo e na outra o não menos execrado integralismo.

Católico, exclusivamente católico, é bem clara minha intenção de me manter rigorosamente alheio a todo e qualquer partido ou “ação” política, para consagrar todo o meu tempo e toda minha energia, até o menor dos meus minutos e o último dos meus esforços, pela causa da Igreja.

E da sinceridade desse propósito penso ter dado arras superabundantes, recusando as cadeiras de deputado que, com tão honrosa insistência, me foram oferecidas pelas maiores correntes políticas de São Paulo.

A despeito da simpatia que me merece, permitirá, pois, o Sr. Ministro da Justiça que desaprove, muito imparcial e categoricamente, sua resolução, apontando à execração pública, atados ao mesmo pelourinho, os adeptos de Marx e de Plinio Salgado.

Com a mesma franqueza com que tenho assinalado aos meus numerosos amigos integralistas, as omissões e as indefinições ainda tão freqüentes na sua doutrina, insurjo-me agora contra a designação genérica de “extremistas” com que se pretende irmaná-los com os mais irredutíveis adversários da ordem social.

Tomem-se as leis humanas e divinas, tente-se fazer funcionar um Estado pela sistemática violação de tais leis e ter-se-á o comunismo. Pois não é ele réu dos mais negros crimes contra Deus, e das mais graves violações dos Códigos penais de todas as nações civilizadas, desde o roubo ao lenocínio?

O integralismo, pelo contrário, afirma Deus, a propriedade, a família. Procura outrossim organizar uma resistência anticomunista de que, freqüentemente, a polícia não é capaz. A mais negra acusação que, a meu ver, se possa fazer ao integralismo não passa de elogio róseo perto do menor dos delitos comunistas, e esta proposição continua verdadeira ainda que nos transportemos do ponto de vista católico, em que nos colocamos, para o ponto de vista liberal em que está o Sr. Ministro da Justiça.

É com toda a solidariedade dos católicos, pois, que merece aplausos a repressão ao comunismo, é com o meu mais formal protesto que se coloca o integralismo ao lado daqueles quando é certo que nem sequer podem ser articulados contra eles as tropelias selvagens que foram o preço do triunfo do fascio ou do hitlerismo.