Justiça de Salomão

“O Legionário”, N.º 159, 25 de novembro de 1934

 

Não pode O “Legionário” deixar de dizer sua palavra orientadora a respeito da notícia publicada pela “Agência Havas” sobre próximas alterações no quadro do Episcopado paulista.

Uma simples notícia telegráfica de uma agência, que timbra em deter a palma da capciosidade, foi suficiente para desencadear em nossa soi-disant [assim chamada] “grande imprensa” os mais apaixonados comentários.

É claro que a tais jornais que, no entanto, se dizem católicos, não interessou a nomeação possível de um Arcebispo Coadjutor para São Paulo, a remoção de D. Gastão Pinto para nossa Capital, a despeito da suma importância de tais fatos para nossa vida religiosa. A única coisa que lhes mereceu a atenção foi o anunciado afastamento de Dom Carlos Duarte da Costa da Diocese de Botucatu. É que, em tal notícia havia o sabor particular de uma possível exploração política a ser feita com grande proveito para o aumento da tiragem dos jornais.

Francamente no seu afã de atrair as simpatias da Igreja, lembram as alas rubras do P.R.P. e do P.C. ou suas respectivas imprensas, o caso das mulheres que disputavam a maternidade de uma criança perante a justiça de Salomão. Com esta diferença: que no caso atual, qualquer dos contendores prefere ver rachado ao meio o menino (neste caso a Igreja), a vê-lo em mãos do adversário.

Realmente, pouco se lhes dá o prestigio moral desta Igreja cuja influência tão vorazmente querem conquistar. Para qualquer deles, membros do P.R.P. ou do P.C., é preferível ver dividida pela espada de uma publicidade escandalosa a dignidade da Igreja, a permitir que o adversário se possa jactar de lhe ter monopolizado o prestígio eleitoral.

Daí a irreverência com que gregos e troianos, mas muito particularmente “A Gazeta”, se permitem comentar a nota da “Agência Havas”.

Calando nossa indignação, nada diríamos, se o interesse partidário se mostrasse lealmente em tais comentários. Mas o que nos indigna é que se pretenda invocar o amor aos interesses da Igreja para justificar tão destemperadas apreciações. E é contra isso que vimos protestar.

Vamos diretamente ao que se refere ao Sr. Bispo de Botucatu. S. Ex.a Reverendíssima julgou oportuno para os interesses da Igreja, aconselhar aos seus diocesanos uma determinada atitude eleitoral. Este ato foi público, recebendo o mais amplo debate na imprensa e, portanto, chegou certamente ao conhecimento do Sr. Arcebispo Metropolitano, de S. Ema. o Cardeal Arcebispo do Rio de Janeiro e da Nunciatura Apostólica.

Andou certo ou andou errado o Sr. Bispo de Botucatu? A nós leigos não nos compete decidir a questão. A Igreja tem seus órgãos informativos competentes, e a ela somente caberá resolver o problema.

Suponhamos, porém, que tenha andado errado o Sr. Bispo de Botucatu.

Neste caso, a quem cabe proferir a sentença condenatória? A Roma ou à “Agência Havas”? Ao Santo Padre, ou às rubras do P.R.P. e do P.C.?

Suponha-se ainda que, a despeito de discordar da atitude de D. Carlos D. Costa, resolva a Santa Sé, na sua grande prudência, guardar reserva em torno do assunto. Neste caso, com que direito se julgam jornalistas pseudo-católicos de glosar a informação da “Agência Havas” (que não é oficial e nem oficiosa) prevenindo uma eventual manifestação da Santa Sé e tentando, por assim dizer, forçar-lhe a mão?

Finalmente, suponhamos que a Santa Sé tenha, realmente, determinado substituir o atual Bispo de Botucatu. Podem ter todos a certeza de que, neste caso, ela o faria de forma a respeitar o mais possível em D. Carlos Duarte da Costa a dignidade de Bispo e homem de costumes incontestavelmente ilibados.

Nunca, portanto, daria a Santa Sé sua aprovação a esta revoada de jornalistas que só se dizem católicos para, com mais liberdade e irreverência, comentar um acontecimento eclesiástico no exclusivo sabor de seus interesses partidários.