Granjeou o Sr. Getúlio Vargas, nos 4 anos em que exerceu a dignidade de chefe do
Executivo Nacional, a fama de mestre na difícil arte de contemporizar. Por mais
hábil que seja o atual Presidente da República na execução de sua clássica
norma de “deixar como está, para ver como fica”, pensamos que S. Excelência não
é um mestre, mas apenas um aluno inteligente e sagaz do inexcedível
especialista em matéria de contemporizações que é o povo brasileiro.
Entre os papéis velhos de minha família, foi
encontrada uma carta dirigida a meu avô por José Bonifácio. A carta era uma análise apaixonada da situação política
e moral do Brasil de então. E, com uma insistência alarmante, afirmava o
ilustre escritor paulista que o “Brasil caminhava para o abismo”, e que a
decadência moral, os destinos da administração, a desordem das ambições
haveriam de colocar forçosamente o Brasil diante de um dilema: ou entregar-se
resolutamente à decadência ou, por meio de uma grande reação nacional,
empreender uma reforma geral que não poupasse quaisquer desordens, desde as
domésticas até às políticas.
Pensei que havia exagero na veemência do famoso
missivista, e as desordens por ele narradas fizeram-me sorrir diante da
enormidade dos escândalos sociais, políticos e administrativos que hoje
ocorrem. Com o tempo, porém, convenci-me de que José Bonifácio tinha razão, e
que já no seu tempo o Brasil estava caminhando para o abismo, cujos bordos há
uns bons vinte anos, vimos rodeando imprudentemente.
Um outro povo qualquer que, ainda em vida de José
Bonifácio, se tivesse posto em demanda do abismo, já nele teria caído, talvez
antes do derradeiro cerrar de olhos de sua geração. Mas o Brasil é mestre entre
os mestres na arte de contemporizar, e há muitos lustros já que ele vem fugindo
ao severo dilema de José Bonifácio: não caímos ainda no fundo do abismo e nem
empreendemos a reação moralizadora que nos deveria salvar. Pelo contrário,
floresce a imoralidade, campeia a desordem em todos os terrenos da vida social
e, ainda assim, estamos a nos reerguer de uma crise econômica sem igual,
prontos para outros esbanjamentos e para outras imprudências que nos venha
trazer outra crise ainda maior.
Se é possível, porém, contemporizar, como o tem
feito o Brasil, diante das crises econômicas e das dificuldades políticas, há
uma força que o mais hábil dos despistadores não
consegue romper e que parece, finalmente, estar imprimindo mais velocidade à
marcha morosa com que o Brasil caminha na estrada até aqui tão plana e
horizontal de sua História.
Ninguém consegue deter a força de
certas idéias quando elas surgem num meio social como resultante de um profundo
mal-estar psicológico de um povo. Parece que o Brasil está enfim cansado de um
regime de insinceridade para consigo mesmo, de uma tortuosidade mental que o
levou a entoar loas à monarquia que tivemos, “por ser mais liberal do que uma
república”, e à república que findou em 30, por nos ter proporcionado um executivo
muito mais forte e disciplinador do que a monarquia, e oligarquias
infinitamente mais sólidas do que a inofensiva coorte de condes e barões do
Império. Da monarquia elogiavam as qualidades de excelente república; na
república apreciavam a linha eminentemente monárquico-aristocrática. Os
brasileiros só foram bons republicanos no tempo da Monarquia e só foram bons
monarquistas depois de XV de Novembro. Sob o regime da união da Igreja e o
Estado, procurava-se prestigiar a Igreja, quando na realidade se a oprimia.
Proclamada a separação, tinha-se em vista diminuir a Igreja, banindo-a do
Estado que doravante seria leigo. E, na prática, deu-se-lhe
liberdade. Sempre a contradição de quem fugia de optar decididamente por um
princípio e tirar dele todas as suas conseqüências. Cada vez que se era
obrigado a tomar oficialmente uma atitude, tinha-se o cuidado de a colocar no
maior antagonismo possível com a corrente de idéias contrária. Com que
escrúpulo o Império zelou pelas “liberdades públicas” e com que zelo a República
procurou “prestigiar a autoridade”. Com que cautelas de carcereiro o Estado
brasileiro agrilhoava a Igreja, quando lhe dava no País a posição de rainha, e
com que luxo de prudência tabelioas o Brasil leigo assegurou os direitos do
Catolicismo, ao mesmo tempo que lhe infligia a humilhação máxima de o expulsar
da vida pública do País!
Parece que, enfim, este período já passou. As
correntes sinceras e integralmente voltadas para um ideal já estão apaixonando
a opinião. Há uma ação católica florescente que não aspira a nada menos que o
Estado integralmente cristão. Em contraposição a esta corrente, há os
comunistas que anseiam pelo Estado integralmente ateu e, neste terreno, a única
nota confusionista foi o apelo tardio e desesperado
do Sr. Guaracy da Silveira aos “católicos
liberais”, que lhe não acudiram ao chamado, em defesa do Estado leigo, porque
está morta esta raça de gente no Brasil.
Os dois grandes partidos liberais-democráticos
parecem querer manifestamente o famoso “governo do povo, para o povo, e pelo
povo”, que constitui o sonho e o passatempo do Sr. Sampaio Dória ou do Sr. Mário
Pinto Serva, não figurando mais, nos quadros destas organizações, os
incongruentes defensores de uma “república forte”, qual a do Sr. Bernardes, por exemplo, que é bastante sensato para não ser
demagogo e bastante tímido para não romper com a democracia.
O Integralismo, por fim, está cada vez mais conquistando posições, e não
tem medo em zombar, dentro mesmo do templo do liberalismo que é a nossa
Faculdade de Direito, dos ídolos vãos da democracia liberal. E, na
extrema-direita do Integralismo, já vemos despontar a mais extremada das
organizações reacionárias, os Patrianovistas, que realizam o “não
plus ultra” da contra-revolução, substituindo o
espiritualismo dos integralistas pelo catolicismo integral, seu espírito de
hierarquia social, por uma tendência pronunciada a uma aristocracia quase
feudal, e completando o princípio de autoridade de que os integralistas se
mostram tão ciosos, pela fidelidade a um monarca de direito divino.
Há, pois, no pensamento brasileiro, uma força que
eu chamaria centrífuga, neste sentido que procura desviar as mentalidades deste
centro comum e amorfo em que se encontram, para tendências extremas, embora
antagônicas.
Esta força atuará - permita-o Deus - com mais
virulência sobre a apatia da alma nacional do que todas as crises financeiras
com que tanto nossa burguesia se inquieta.
Mas, indagamos, no final destas considerações, qual
dos rumos tomará o Brasil?
O que os Católicos escolherem.
É preciso que nos persuadamos, nós católicos, de
que o Brasil somos nós.
A nós é que compete traçar as diretrizes que nós
mesmos vamos seguir.
A nós é que incumbe chefiar orientar e decidir.
E só uma condição se exige de nós
para que entremos no uso de tão excelsas prerrogativas: que não sejamos
inferiores à nossa missão.