Adeus
“O Legionário”,
N.º 149, 8 de julho de 1934
Ninguém jamais poderá compreender o que foi para mim a
separação de Monsenhor Pedrosa quando, em maio de 32, partiu para Maredsous. Habituado, desde minha primeira infância, a
venerá-lo com um respeito todo particular, minha veneração perfumou-se com um
delicadíssimo afeto quando tive a fortuna incomparável de penetrar na sua
intimidade, na Congregação de Santa Cecília.
A amizade que lhe votava, e voto, era muito mais do
que um simples afeto humano. Era o enlevo que em mim despertava sua alma,
através da qual, como num vitraux de finíssimo lavor, eu discernia luzes do Céu... E
tal era a suave fascinação que sua simples presença exercia sobre mim, que
tinha o dom de aplacar minhas intensas agitações. Lembro-me perfeitamente de um
dia em que eu rezava em Santa Cecília, vivamente perturbado. Ignorando o que em
mim se passava, Monsenhor aproximou-se do genuflexório em que eu estava, e me
perguntou uma banalidade qualquer. Imediatamente fez-se uma grande paz em mim.
Estava dissipada a tempestade, pela simples presença carinhosa e espiritualizadora de Monsenhor...
E, no entanto, foi de todo o coração que eu aceitei a
separação que sua vocação nos impunha. Na grandeza de seu gesto, eu distingui
perfeitamente o chamamento divino, a lhe aconselhar que tomasse a cruz sobre os
ombros, e caminhasse animosamente até o alto do
Calvário. Eu percebi perfeitamente a virtude redentora das imolações internas a
que iria proceder em união com Cristo, no seu áspero
caminho da cruz. O seu sacrifício sobrevinha exatamente em um momento em que o
Brasil gemia sob o açoite humilhante da tirania dos tenentes. Tudo parecia ruir
na nossa organização civil e política. E eu já via com horror o momento
sinistro em que as lavas do vulcão começariam a atingir a Igreja.
Eu senti, então, que a Justiça divina reclamava almas
que se deixassem imolar passivamente pelo cutelo da dor. E a única palavra que
eu lhe disse foi a de um adeus comovido e cheio de saudades. Nunca, porém, meus
lábios se abriram para profanar com objeções despropositadas a nobreza de seu
intento, que se explicava perfeitamente quando examinado com espírito de Fé.
É agora Svend [nota: Svend Kok, colaborador do
“Legionário”, ingressou então, na ordem de São Bento] que parte. É o sacrifício
de mais este amigo caríssimo que Nosso Senhor exige de mim. E eu não pude
sequer pronunciar o discurso de despedida que queriam que, em nome da
Congregação, eu lhe dirigisse. E, no entanto, foram seus os primeiros braços
que se abriram como uma larga porta, de par em par, acolhedores, quando de meu
ingresso na Congregação! Não seria justo que lhe dissesse eu o último adeus?
Mas foi melhor assim. Nada de humano se misturará a
este sacrifício espiritual, onde nada deve ser para nós e tudo para Nosso Senhor.
Conformando-me com esta ordem muda da Providência, eu não lhe farei agora o
elogio, nem recordarei o longo caminho espiritual que juntos nós percorremos e
que ele juncou para mim de tantas flores! Não lhe direi que a graça nos fez
irmãos, com muito mais força do que o teria feito a natureza, e não lhe direi,
também, que as maiores distâncias de tempo e de lugar não conseguirão romper
esta fraternidade, enquanto a graça a alimentar.
Simplesmente, numa única palavra que deve resumir todo
o meu afeto e toda a minha saudade, como a Monsenhor, eu lhe digo:
Svend, adeus!