Iniciada a votação do projeto constitucional, a
emenda do preâmbulo da Constituição, invocando o nome de Deus, foi a primeira a
ser aprovada pela significativa diferença de cento e onze votos. É assim, desde
o primeiro passo para uma Constituição definitiva, depois de tantas peripécias
de subcomissões e emendas de todos os lados, que a população católica
brasileira, ou melhor, pura e simplesmente o povo brasileiro vê as suas mais
caras e supremas reivindicações serem reconhecidas pelos legisladores
constituintes de hoje, que por tal forma se dispõem a reparar a obra demolidora
do nosso primeiro período republicano.
Organizada a Liga Eleitoral Católica para defender as
reivindicações religiosas na vida política do País, entrou [ela] em fogo pela
primeira vez, precisamente no momento em que toda a nação se preparava para
receber dos seus deputados uma nova carta constitucional, isto é, para entrar
em uma nova ordem política.
A gravidade da situação era evidente aos olhos de
todo o mundo. Enquanto se ia alongando o período relativamente escasso do
regime ditatorial que se sucedeu à Revolução de 1930, ia-se formando uma
atmosfera carregada, produzida pelas apreensões crescentes e pela balbúrdia
governamental. Nesse estado de espírito, as palavras “Constituição” e “Lei” se
foram tornando, em certos ambientes, verdadeiros “fetiches” que todo o mundo
invocava como panacéia salvadora e infalível, mesmo sem saber do que se tratava.
Começou-se, então, a pedir uma Constituição sem outras preocupações que não
fossem a de sair do regime discricionário. Assim sendo, a aspiração por uma
ordem legal, em si justíssima e merecedora de todos os aplausos, começou,
porém, a se desvirtuar do sentido em que sempre deve ser dirigida.
O que seria uma Constituição feita às pressas, com
as forças políticas improvisadas de um momento para outro e os eleitores
abandonados cada qual a si mesmo, o que eqüivale a
dizer, àqueles que, pelas circunstâncias do momento, pudessem deles dispor como
lhes aprouvesse?
Esse era, realmente, o problema constitucional que
tínhamos por frente. E a nós, católicos, dois exemplos nos advertiam
continuamente do perigo de uma improvisação constitucional: um, de ordem histórica,
o da nossa Constituinte de 1891; outro, de ordem presente, o da Espanha recentemente republicanizada. Lembrávamo-nos do modo pelo qual fora
feita a Constituição de 1891 (bons tempos a levem para sempre!). Uma minoria
que se apossara do poder viera impor a um povo católico uma Constituição
positivista e laicista. E olhávamos também para a
católica Espanha, que recebera dos seus neolegisladores
uma carta magna socialista e anticlerical.
Era natural, portanto, que tivéssemos nossas prevenções
e nossos cuidados com aquela pletora de leis e Constituição que começava a
dominar o País, e sobretudo São Paulo. Por outro lado, as legiões bolchevizantes, que elementos adventícios iam organizando,
tendo por si as graças do governo; as constantes proclamações revolucionárias
dos novos governantes; o desenvolvimento da propaganda socialista e suas
incursões no nosso incipiente sindicalismo; tudo isso, acrescido à inquietação
geral dos dias turvos de 1930 a 1932, nos forçava a tomar o partido da constitucionalização
imediata.
Estávamos, assim, entre a espada e a parede, quando
surgiu a Liga Eleitoral Católica. Era o ponto de apoio que nos faltava. E, começando o
alistamento eleitoral, a LEC desenvolveu uma atividade magnífica por todo o
Brasil, do extremo norte ao confim dos guascas.
Já nos sentíamos fortes, porque
unidos numa organização capaz de exigir dos candidatos à Constituinte o
respeito e a proclamação dos nossos direitos. Forte e capaz, porque era a voz
do Episcopado que se fazia ouvir, como uma palavra de esperança e tranqüilidade
para aqueles que, em meio das tormentas revolucionárias, ansiavam há muito
tempo - há quarenta anos, podemos dizer - por uma ordem pública que viesse
reconciliar o Estado e a consciência cristã da Nação, pondo termo, ao mesmo
tempo, ao revolucionarismo latente ou patente em que
vivíamos desde 15 de novembro de 1889.
* * *
Logo começaram os céticos a sorrir com desdém. Qual! está tudo perdido! Vocês ainda pensam
que os políticos vão respeitar compromissos? Isso é ingenuidade de quem nunca
se meteu em política... Estão perdendo o seu tempo...
E quando os católicos se
“mobilizaram” para a primeira grande [pugna] da Liga, as eleições de 3 de maio
tiveram de lutar não só contra os seus inimigos declarados, mas ainda contra
esses eternos descontentes e indisciplinados.
A luta foi “canja”, como se
costuma dizer... Tais adversários não davam para a saída... E só um candidato
católico, em São Paulo, obteve o dobro da votação do segundo colocado, com o
maior número de votos em todo o País. Foi uma magnífica demonstração da
disciplina e coesão dos católicos de nossa terra.
Mas a grande tarefa ia começar ainda. Os céticos
continuavam a sorrir... de tanta força desperdiçada. E já saboreavam
previamente a nossa desilusão.
Mas, desde o início dos seus trabalhos, a
Assembléia Constituinte mostrou que possuía muitos deputados católicos
decididos e valorosos, que não se cansavam de trabalhar pela razão de ser de
sua eleição.
No primeiro dia da votação do projeto
constitucional e das emendas existentes, 168 deputados decidem, contra 57, a
invocação do nome de Deus na Constituição.
Um triunfo tão esmagador, em torno
de um ponto que nem sequer fazia parte do “programa mínimo” da Liga Eleitoral
Católica, é quase o indício seguro de que as demais reivindicações dos
deputados católicos na Assembléia serão vitoriosas.
Diante de um primeiro passo como esse, não nos é
lícito descrer da obra que está sendo elaborada. Ela, certamente, há de
contribuir para a restauração do reinado de Cristo na sociedade, que depende,
quanto à nossa parte, da obediência constante e irrestrita aos chefes da Igreja
que nos apontam o caminho da salvação.