Política de abelha

 

“O Legionário”, N.º 138, 4 de fevereiro de 1934

 

Continua tudo como dantes... Foi a expressão que afluiu aos lábios de muita gente, depois da solução da última crise política, não sem muita amargura e sem um ceticismo cada vez maior.

Não há razão para tanto desespero que muitos não conseguem reprimir. Basta ter sido um observador sereno da política brasileira, para não alimentar ingenuamente algumas ilusões que, quando desfeitas, provocam certo desânimo.

De fato, qual tem sido, até hoje, a característica principal dos métodos políticos de nossa terra senão o personalismo mais primitivo e feroz, e uma ausência completa de idéias e programas? Tudo quanto, durante o Império ou a República, tem aparecido por aí, com os rótulos de federalismo, civilismo, voto secreto, (...) são aspirações vagas, imprecisas, mal coordenadas, que os políticos exploram a seu favor, sem um corpo de doutrina, um programa dentro do qual se encaixem e se justifiquem. Em última análise, todas as lutas políticas, em nosso País, se resumem na conquista do Poder pelo Poder, ou melhor, pelas vantagens do Poder...

Faz-se uma propaganda eleitoral, faz-se uma revolução, e ao cabo de uma ou de outra, vença ou não vença, a situação é a mesma...

Oliveira Viana mostrou muito bem como a competição entre liberais e conservadores, na Monarquia, não passava de uma grande farsa. Os liberais combatiam demagogicamente as reformas dos conservadores e, no entanto, quando subiam ao poder, eram os seus grandes defensores, pelas indiscutíveis vantagens que lhes proporcionavam e vice-versa. As grandes reformas liberais foram todas realizadas pelos conservadores. Enfim, entre ambos os partidos, só o personalismo dos chefes servia de limite, porque um e outro participavam da mesmíssima mentalidade parlamentarista e democrática do tempo.

Durante muito tempo, em São Paulo, não foi outra a razão da dissidência entre o PRP [Partido Republicano Paulista] e o Partido Democrático. Procurar programas diversos que justificassem a dualidade de partidos era inútil, pois não os havia. E a própria Revolução de 1930, embora tivesse provocado o surto de muitas ideologias políticas na nossa terra, foi contudo uma revolução sem programa, e que até aos próprios propósitos de regenerar os costumes políticos desvirtuados pelos “carcomidos” chegou a trair...

Realmente, as eleições de 3 de maio deram bem uma prova de que os homens da Revolução, chegados ao poder, aprenderam nele os ensinamentos que a reminiscência dos velhos políticos aí deixou... Os interventores, em lugar dos antigos presidentes de Estado, montam a sua “máquina” eleitoral com as peças sólidas das prefeituras, e chegam até a chamar em seu auxílio os técnicos da máquina velha, capazes de orientar as suas primeiras experiências, como se deu na Bahia com a eleição de homens da República Velha pelos revolucionários, ou no Distrito Federal, com o recurso a consumadíssimos “cabos” de outros tempos.

Não vemos para já, no cenário político brasileiro, outra perspectiva senão esta: a dos partidos do Governo, montados através da vasta rede do municipalismo, e a dos partidos de oposição, a declamarem nos ouvidos do povo as eternas cantilenas dos descontentes, com o fim único de arrancar as rédeas do Poder a quem as tenha.

O mesmo Oliveira Viana, a quem já nos referimos, conta que um biógrafo de Hamilton observa que os verdadeiros estadistas praticam a política de colméia, procurando tudo subordinar ao interesse coletivo, enquanto os falsos “políticos” praticam a política da abelha, na qual tudo se subordina ao interesse individual.

Destes “políticos” temos tido; mas estadistas realmente não. O Poder Público é transformado num cargo rendoso, numa verdadeira profissão, e não num ônus pesado e cheio de responsabilidades de quem deve olhar para o interesse da nação e promover o bem comum, em vez de procurar colocar bem a sua gente e o seu partido.

Os partidos políticos são verdadeiras tribos que se digladiam.

Quem pretenda realizar idéias terá todas as dificuldades do semeador que espera frutos das sementes lançadas no deserto... Não foi o Sr. Oswaldo Aranha quem chamou o Brasil de deserto de idéias?

Dentre as grandes forças políticas do momento, agindo no campo restrito das reivindicações sociais da Igreja, a Liga Eleitoral Católica apresenta uma notável exceção aos hábitos reiterados da nossa política indigna.

É preciso que, cada vez mais, os católicos prestigiem todas as suas iniciativas, e se esclareçam perfeitamente a respeito de sua atividade, para não se deixarem contaminar pelos vícios ambientes, com prejuízo da causa que defendem.