O “Legionário”   n.º 138/2, 4-2-1934

 

On ne passe pas...

 

 

É famosa a frase com que os franceses, num desafio heróico em Verdun , detiveram as hostes germânicas, prontas a conquistar a França. Podemos dizer que, nos últimos dias, foi vencida a Verdun dos católicos brasileiros, pela remoção do perigo negro de uma Constituição sintética.

O que se pretendia era, em suma, um passe de prestidigitação parlamentar, em virtude do qual a Comissão dos 26, adrede isolada de qualquer influência católica ponderável, ficasse incumbida de aprovar uma “Constituição sintética”, súmula dos princípios essenciais da organização do Estado. Aprovada essa súmula pelo plenário da Constituinte, esta procederia à eleição do Presidente da República. Só depois de concluídas essas tarefas é que passaria à elaboração de chamadas “leis orgânicas”, que completariam a Constituição, sem dela fazer parte, no entanto.

Pelo balão de ensaio da votação do preâmbulo, na Comissão dos 26, em que esta rejeitou o nome de Deus, verificou-se que a Comissão se prestaria à manobra de excluir da Constituição sintética todas as teses católicas, reputadas matéria inconstitucional[1] e, portanto, aptas quando muito a serem incluídas nas leis orgânicas.

Como, porém, as leis orgânicas não teriam a fixidez das leis constitucionais, a despeito de todas as promessas em sentido contrário, o perigo estava patente: as conquistas católicas, laboriosamente feitas à custa da LIGA ELEITORAL CATÓLICA, poderiam ser destruídas de um momento para outro, em qualquer legislatura ordinária, graças a alguma maioria ocasional.

Por outro lado, houve a habilidade de jungir aos interesses anticatólicos os políticos, de forma a interessarem na manobra certos elementos empenhados na eleição imediata do Presidente da República. Como é evidente, esta habilidade deu ao nefando projeto possibilidades de êxito especialíssimas, e constituiu séria ameaça para a Igreja no Brasil.

Mas as perfídias dos adversários da Igreja constituem, para sua resistência eterna e invencível, uma glória, como é gloriosa para a alma santa a tentação que ela venceu, e que força, indiretamente, o próprio demônio a ser colaborador de sua ascensão espiritual.

A manobra, astuta embora, só aproveitou ao Catolicismo, pois que a perspectiva de um perigo comum congregou mais uma vez os católicos de todas as bancadas que, reunidos na sede da LEC, sob a presidência de Tristão de Athayde , assumiram o solene compromisso de não votar na Constituição sintética, caso ela não contivesse TODOS os itens católicos fundamentais, a saber:

a) ensino religioso nas escolas;

b) indissolubilidade do vínculo conjugal;

c) atribuição de efeitos civis ao casamento religioso;

d) assistência religiosa às classes armadas, hospitais, prisões etc.

Foi um movimento empolgante. Em número de muitas dezenas, os deputados católicos resolveram transformar a questão da Constituição sintética na Verdun da atual Constituinte, lançando aos seus adversários entocaiados o famoso desafio on ne passe pas!

Como a imprensa noticiou, a dificuldade ficou definitivamente afastada, e a resistência intransponível dos católicos jugulou o esforço de seus adversários.

A bandeira da LEC cobriu-se assim de glórias, e mais uma vez ficou bem patente que o Brasil é, sempre foi e sempre será genuinamente católico.

No entanto, uma lição nos precisa ficar. É a da perseverança, da astúcia e da força de nossos adversários.

Se o pensamento católico não tivesse na Constituinte, graças à LEC, expressões autênticas e defensores dedicados, o que seria do Brasil a esta hora?

O que seria, dada a invencível pertinácia dos inimigos da Igreja, o que seria de nossas reivindicações?

Em lugar de uma Constituinte católica, teríamos agora uma Constituinte atéia, uma espécie de salão de orgias cívicas, em que os representantes da mentalidade apimentadamente esquerdista do 3 de Outubro colaborariam com o liberalismo rançoso de certas bancadas, na destruição impiedosa do Brasil tradicionalmente sensato e católico, para substituí-lo por um produto híbrido, aglomerado monstruoso de erros liberais da França de 89, fantasias burguesas dos Estados Unidos de 1920 ou 1929 e delírios incendiários da Rússia de 34.

 

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[1] Isto é, segundo então se usava, matéria não própria a uma Constituição.