O valor de uma renúncia

“O Legionário”, N.º 97, 8 de maio de 1932

 

Para os materialistas, a História é um desenrolar de fatos que obedece, segundo alguns, ao fatalismo inexorável das leis naturais, e, segundo outros, às combinações caprichosas e desgovernadas do Acaso.

Em qualquer das hipóteses, o homem se vê aniquilado diante de forças muito superiores às suas, que afogam sua fraqueza na imensidade das coisas criadas, sujeitando sua ação inteligente ao imperativo brutal e inconsciente das forças materiais.

Para os adeptos do materialismo histórico, as tentativas do homem para sujeitar ao seu império os elementos da natureza e abrir livremente, pelo esforço de sua vontade, a senda de seu destino, são tão ridículas como a luta de um grão de areia que se quisesse insurgir contra o turbilhão que o arrasta pelos ares.

O turbilhão da natureza impele o homem a um destino independente de sua vontade, como a gravidade atrai os corpos que se despencam no abismo.

Nascido da matéria, por ela dominado inteiramente durante sua vida, o homem para ela volta, inelutavelmente  com a morte, quando desaparecerem definitivamente os últimos lampejos do que se convencionou chamar vida - um estado especial das forças materiais.

Nenhum lugar, nesta filosofia, para as grandes idéias que ainda ontem aromatizavam com as fragrâncias de sublimes ideais a vida dos homens de bem.

A perfeição no viver consiste apenas em se conformar escrupulosamente com essas leis naturais, transformando-se o homem em autômato comparável a algumas máquinas modernas que abrem válvulas quando chega a certo ponto o ponteiro do relógio, apitam quando está pronta a tarefa para que foram engenhadas, e obedecem em tudo ao fatalismo imperioso de sua constituição interna.

Para os filósofos materialistas do Acaso, o homem é certamente livre de talhar para si próprio o destino que escolher. No entanto, por mais estupenda que seja a fecundidade de seu engenho, por mais robusta que seja a compleição de sua vontade, seus esforços podem fracassar de um momento para outro diante de uma conjunção imprevista e imprevisível de fatos fortuitos, estupidamente forjada pelo Acaso, que esmaga com uma inconsciência brutal o fruto dos esforços pacientes de toda uma vida, como nós, às vezes, destruímos com um simples acalcar de pés, distraidamente, um formigueiro industriosamente arquitetado por toda uma grei de formigas.

Seu símbolo mais adequado é a Fortuna, que se vê nos anúncios de nossas modernas loterias, de olhos fechados, gargalhada louca, cabelos ao vento, distribuindo a correr suas prodigalidades loucas, enquanto passa inconscientemente por sobre chagas e misérias, espezinhando sofrimentos, aguçando torturas, exacerbando as ambições desiludidas.

Para os católicos, porém, a História se ilumina com um clarão todo especial: o da Fé. O homem não é um joguete inerme nas mãos de uma natureza implacável. Não é, também, um soberano insolente, sujeitando com o despotismo de sua vontade, a seu império, todos os elementos da natureza. É, antes de tudo, uma pobre criatura decaída do seu estado de glória primitivo, tentando a sua reabilitação, com o auxílio da graça, e de alguns corações devotados, que vencem suas dificuldades internas, para se entregar inteiramente a Jesus.

É no fundo das celas dos conventos, ou no recesso dos corações dos crentes, que o destino do Brasil está a se resolver.

O Brasil não precisa de sábios, nem de heróis. Precisa de santos. Afirmou-o Tristão de Athayde, como conclusão às suas conferências sobre o Problema da burguesia.

Ora, Monsenhor Pedrosa, com a suprema renúncia que acaba de fazer, cortando os vínculos de ouro que o prendiam a tantos corações inteiramente seus, acaba de dar, neste sentido, um passo decisivo.

Sua alma privilegiada, escrínio em que Maria Santíssima havia depositado tesouros preciosíssimos, volta-se mais uma vez para Deus, com a fidelidade leal com que tem sabido ouvir a voz da graça.

A renúncia suprema que Monsenhor acaba de fazer valerá muito mais, por si só, para a salvação do Brasil, do que todos os discursos inócuos, do que todos os ódios incendiados, do que a explosão de todos os interesses pessoais que a Revolução exacerbou.

E, mais uma vez, Monsenhor faz, na sombra de sua santa humildade, muito mais bem do que todos os irrequietos do mundo, no espalhafato de sua vaidade.

Diante da grandeza de seu gesto, e do assombroso alcance religioso e social de sua renúncia, só uma coisa nos resta: inclinarmo-nos respeitosamente diante da grandeza de sua dor, e, mais uma vez, com imenso respeito, com carinho de filhos, lhe beijarmos respeitosamente a mão.

Monsenhor! Compreendemos vossa lição!