Legionário, N.º 641, 19 de novembro de 1944

ARMISTÍCIO

A solução prometida pelo Exmo. Revmo. Sr. D. Carlos Carmelo de Vasconcelos Mota para os debates ocorridos de algum tempo para cá, acerca da A.C., não pode deixar de agradar a quantos desses debates tenham participado, com espírito alevantado e o exclusivo desejo de servir a Igreja. E isto, qualquer que seja aliás a posição ideológica que, perante tão graves e complexos problemas, tenham assumido os que por eles se interessam.

Com efeito, todo o debate ou se trava com o nobre objetivo de persuadir, esclarecer, fazer o bem, ou significa, como disse acertadamente o novo Arcebispo, mera explosão de particularismos e vaidades pessoais, ânsia de mando ou inveja de regalias ou preeminências.

Ora, a grande felicidade que os espíritos retos encontram em ser católicos consiste em que, estando com a autoridade infalível da Igreja, não podem errar.

Assim, pois, todo aquele que procure a verdade para si e para os outros, com sinceros e nobres intentos, não pode ter ventura maior do que sabendo que a Igreja, pelo Magistério infalível de Pedro, ou dos Bispos que aderem a Pedro como os sarmentos à vinha, vai exercer suas prerrogativas na solução de um problema qualquer.

Com efeito, a autoridade da Igreja foi instituída em vista da debilidade do espírito humano que, por vezes, ainda quando posto em face da verdade certa e demonstrada, não vê, ou teima em não ver, a luz meridiana que lhe entra olhos a dentro. E, por isto, ainda que as controvérsias doutrinárias fossem sustentadas com os homens por Anjos vindos do Céu, geraria desgostos, ressentimentos, rebeldias que a lógica mais cristalina não lograria vencer. Infelizmente, os Anjos poucas vezes aparecem aos homens para participar de suas contendas. E, por isto, as disputas entre homens tomam em geral um calor, uma intensidade, uma combatividade que entre nós a natural viveza do espírito latino, e a “verve” brasileira ainda acentuam mais.

Ora, o que os homens não conseguem, e os próprios Anjos não conseguiriam dos homens, consegue-o dos verdadeiros católicos a autoridade da Igreja.

Com efeito, para o verdadeiro católico, a voz da Igreja é a voz de Cristo na terra. Ela desce do alto do Céu, não para vencer seus filhos, mas para os ensinar, e nos acentos com que Ela define para nós a verdade, há sempre algo da melodia angélica que ouviram extasiados os pastores de Belém. É com o mais puro e exclusivo desejo da "glória de Deus no mais alto dos Céus, e da Paz na terra para os homens de boa vontade", que Ela exerce seu magistério e dissipa as discrepâncias entre seus filhos.

Na promessa do Natal, estava contida a promessa do magistério infalível da Igreja, sem o qual a dialética humana seria impotente para promover a glória de Deus, e a paz verdadeira, até mesmo entre os homens de boa vontade.

E, precisamente por isto, se em todos os séculos da História Cristã se têm erguido vozes privadas, quer para sustentar o que a Igreja não proibiu que se sustentasse, fazendo uso da “liberdade que é uma prerrogativa da pessoa humana”, como diz o novo Arcebispo; quer para impugnar o que se sustente contra doutrinas implícita eu explicitamente definidas por Roma, essas vozes, ainda que nascidas das melhores intenções, muitas vezes não lograram estabelecer, mesmo entre os bem intencionados, a concórdia sem nuvens, que Jesus quis para seus fiéis. É que nenhuma voz tem na terra a maternal eficácia de iluminar e sanar, que tem a voz da Igreja. As vozes privadas tornam-se pois supérfluas, perdem sua importância quando, na sua majestade, a Igreja ergue sua voz divina, como se apagam as luzes e se extinguem as candeias, ao triunfal romper da aurora.

O Sr. D. Carlos Carmelo de Vasconcelos Mota nos traz a promessa desta aurora. Chegou por fim o momento em que a Igreja, em sua sabedoria, entendeu oportuno decidir. Sua palavra será uma palavra de ordem, uma palavra de paz, porque, sempre fiel a Cristo e a Cefas, será uma palavra de Verdade.

*   *   *

Com efeito, promete-nos S. Excia o julgamento da Comissão Episcopal para os "momentosos assuntos" referentes à Ação Católica. Essa promessa é áurea. Todo ato de magistério da Igreja é uma jóia. O que se nos promete é um escrínio de jóias, já que é sobre mais de um "momentoso assunto" que a Comissão Episcopal vai decidir. Todo ato de magistério da Igreja é semente, é preciso que o terreno se prepare pela oração, pela penitência e pela caridade, para receber essa semente.

E, por isto, S. Excia, "secundum indulgentiam, non secundum imperium", pede um Armistício. Para este "Armistício", o LEGIONÁRIO entra, não só a fim de atender ao augusto pedido, mas "de grand coeur", como quem realiza uma velha aspiração.

Lembro-me de uma conversa que tive, ainda não há muito, com um distinto Sacerdote de outra Diocese, que me aconselhava silêncio a respeito dos assuntos debatidos em matéria de Ação Católica. E eu lhe disse que só silenciaria, ou à vista de uma solução dada pela Autoridade, ou, na falta desta solução, forçado pela disciplina que devo à Autoridade competente. Esse Sacerdote insistia em seu ponto de vista. E eu lhe respondi: a meu ver, paz na estagnação da ambigüidade será para a Ação Católica uma ruína. Mas a paz à vista de uma solução dos pontos controvertidos é o meu sonho dourado.

Ora, a Pastoral do Sr. D. Carlos Carmelo de Vasconcelos Mota nos fala nisto, num armistício "não em caráter definitivo mas em caráter de emergência", que durará única e exclusivamente "enquanto momentosos assuntos não forem julgados pela Comissão Episcopal da Ação Católica". Que melhor senão esta espera, que não é a estagnação na ambigüidade, mas o luminoso e seguro prenúncio da Verdade?

* * *

E, insistimos, que mais pode desejar um espírito sedento de Verdade? O pronunciamento da Comissão Episcopal será um autêntico divisor de águas. Os que o acatarem - e será, nós o desejamos, a totalidade absoluta - revelarão possuir o verdadeiro espírito da Igreja, todo feito de obediência incondicional à autoridade de Pedro e dos Bispos. Para esses católicos, desimpedido de problemas internos, o campo abrir-se-á, mais atraente e empolgante que nunca, a seara do apostolado no afervoramento dos bons e na expansão do Reino de Cristo entre os infiéis. Os que não o aceitarem, e não permita Deus que os haja, desacatarão a um tempo os Bispos, São Pedro e o próprio Cristo. Manifestar-se-ão teimosos e estéreis fomentadores de dissensões e contendas, semeadores de joio e de cizânia. Serão milicianos dignos de figurar nas legiões decadentes e vencidas de Constantino Dracosés, nunca nas legiões vencedoras e realizadoras do primeiro e grande Constantino.

*  *  *

Todo o armistício é congraçamento, desmobilização, suspensão de qualquer altercação doutrinária, esquecimento voluntário de queixas pessoais, intróito de vida nova.

Para este armistício, o LEGIONÁRIO entra afirmando aos que se sintam magoados com alguma palavra sua, que nunca foi esta sua intenção. E que dá por esquecidas as mágoas que no calor da refrega se lhe tenham causado.

Cessou o passado, e toda a nossa atitude consiste em trabalhar na seara do apostolado, olhos postos na Autoridade da Comissão Episcopal, da qual esperamos a água viva da verdade, com a sedenta e abrasada sofreguidão do cervo “ad fontes aquarum”.

Esta Verdade, os católicos genuínos, qualquer que seja sua presente posição doutrinária, estão prontos a aceitar ainda que discrepe de todo em todo de seus pontos de vista individuais, que sacrificarão sem mercê nem piedade para estarem em tudo e por tudo com a Igreja, com a Igreja, com a Igreja.