Discursando no Parlamento Britânico, certo estadista disse, há pouco, que a Rússia evoluiu muito, e
não podemos considerar suas instituições, muito menos radicais do que as que Lenine implantou, como
indiscutivelmente inaceitáveis. A mesma impressão, acrescentou ele,
experimentavam os ingleses do século XVIII ante a estrutura social e política
igualitária adotada pelas colônias americanas recentemente libertadas do julgo
inglês. No entanto, a evolução do mundo inteiro, a da própria Inglaterra, indicou que nesse sentido é que se encontravam os
verdadeiros rumos do futuro. Parou aí o discurso. Mas não é difícil entrever
que o facundo parlamentar entendia que a Inglaterra de hoje, cheia de
prevenções contra a Rússia de Stalin, bem poderia ser levada a caminhar pelos mesmos trilhos
no futuro.
Todas as notícias de jornal, para os que as sabem
ler, indicam uma séria reação da opinião britânica contra as manobras socializantes de alguns de seus políticos. O plano
Beveridge foi aprovado em
termos que constituem uma verdadeira derrota para os extremistas do socialismo
inglês. E o espírito tradicional dos súditos do Reino Unido oferecerá
obstáculos não pequenos a qualquer esforço ou manobra política que se faça no
sentido de extinguir o que a Inglaterra tem de mais honroso e mais tipicamente
seu, isto é, o cunho aristocrático de suas instituições. Seria, pois, ridículo
exagerar o alcance do discurso daquele parlamentar.
Nem por isto, entretanto, são destituídos de
interesse alguns comentários sobre a insólita declaração daquele parlamentar
inglês. Em nosso público, não falta quem esteja constantemente à cata dos mais
leves sintomas de que uma idéia vai entrar em moda, para imediatamente a ela
aderir. O comodismo ideológico de muita gente é, neste sentido, imensamente
mais novidadeiro do que a dos "fãs" mais
entusiasmados das modas européias ou americanas em matéria de indumentária. Não
faltará, pois, quem suponha que a turbamulta dos escritores, professores,
políticos e jornalistas que forjam pelo mundo inteiro a opinião pública se vai
inclinar para esse "leit-motiv"
de que a socialização do mundo é o caminho forçado de sua evolução política e
social. E bastará tanto, para que em todos os quadrantes ideológicos - com que
dor o dizemos - já os adesistas se ponham em movimento.
Se bem que, pois, possa vir a ser voz meramente
isolada a daquele parlamentar, e é neste sentido que fazemos nossos melhores
votos, é absolutamente indiscutível que a refutação de seu ponto de vista
evitará que muita gente se desoriente.
* * *
Diz nosso Parlamentar que a Rússia evoluiu. Evoluiu
quanto? Em que sentido? Precisamente, o que é a Rússia de hoje? - Evoluiu é
termo muito vago. Evoluir é caminhar. E tanto se pode um metro quanto um
quilômetro. Quanto andou a Rússia soviética? Esta pergunta parece não lhe ter
parecido fácil e cômoda de responder. O certo é que, para acalmar as apreensões
justíssimas do público que o ouvia, limitou-se a dizer que a Rússia
"evoluiu". A nós não nos tranqüiliza tão vaga afirmação. O regime
soviético só se pode tornar aceitável de um modo: passando a ser precisamente o
contrário de tudo que era. E, neste sentido, não nos referimos às relações
entre a Igreja e a URSS, mas a própria organização do Estado, da família, da
sociedade a da economia. Uma simples "evolução" parcial, minimalista,
não nos contenta. E, sobretudo, não nos pode contentar uma evolução
indeterminada, que provavelmente terá sido mais ou menos pequena.
Esta deve ser necessariamente a posição de qualquer
católico sensato.
* * *
De mais a mais, é curioso notar que as perspectivas
que nosso parlamentar entreabriu não são muito simpáticas para os
anticomunistas sinceros. Diz ele que o mundo deve rumar do regime da
propriedade privada para o lusco-fusco
do socialismo, assim, como já rumou do "Ancien Régime" anterior a 1789 para a liberal-democracia. É curioso. Quer dizer que, quando
tivermos acedido a este sombrio convite, nosso parlamentar nos dirá mais uma
vez que devemos evoluir do socialismo moderado para o comunismo radical. E, se
não disser, será sumamente ilógico. Seja ele ilógico embora, não faltará quem
procure tirar por ele as premissas de tão tristes conclusões. E o mundo se
encontrará em pleno comunismo.
* * *
Ninguém ignora que o “Legionário” é o mais
fundamental, essencial e radicalmente anti-nazista
dos jornais. Nossa campanha contra o totalitarismo é muito anterior aos dias
que correm. Como sorrimos hoje em dia quando vemos às vezes explosões de anti-totalitarismos brotar de lábios que não há muito tempo
só se abriam para censurar nossa atitude hostil aos regimes ditatoriais "soi-disant"
da direita!
Por isto, tudo quanto direta ou indiretamente pode
dar a impressão de totalitarismo deve ser tido como altamente suspeito aos
olhos desta folha. Ora, francamente não sabemos que diferença se poderia ver
entre uma URSS - um pouco evoluída - e o nacional-socialismo.
Para que combater o nacional-socialismo então?
Todo anticomunista sincero e lógico
deve ser, por força e por excelência, um anti-totalitário
ferrenho. É, em nome da luta contra o totalitarismo que devemos livrar-nos
cuidadosamente de opiniões como a do parlamentar inglês.
* * *
Na realidade, a Igreja já definiu perfeitamente o
que um católico deve pensar sobre os poderes do Estado, os direitos de
corporação, da família, do proprietário, do empregado, e da pessoa humana em
geral. Sobretudo, a Igreja já definiu perfeitamente os direitos de Deus, dentro
da sociedade.
Quem hipertrofiar o papel do Estado será
necessariamente socialista, quaisquer que sejam as máscaras que procure
afivelar no rosto. E o fundo da vertente socialista é o comunismo.
Quem hipertrofiar os direitos do indivíduo ou dos
outros grupos será necessariamente individualista, e o fundo dessa vertente é a
anarquia.
Da anarquia completa, que seria
o niilismo, ou da anarquia estável e organizada que é o totalitarismo, devemos
libertar-nos formando para nós uma consciência católica vigorosa e firme, na
qual não haja lugar para complacência para com erros de qualquer jaez.