Plinio Corrêa de Oliveira

 

A liberdade da Igreja no dia de amanhã

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Legionário, 14 de fevereiro de 1943, N. 549

  Bookmark and Share

 

As considerações que vínhamos fazendo acerca da liberdade da Igreja em artigos anteriores são, para nós católicos, da mais transcendental importância. Com efeito, é essencial que não percamos de vista nossos mais graves interesses. Estes consistem, para a Igreja, antes de tudo e de mais nada, no direito de viver livremente a sua vida, sem as peias de qualquer restrição. Não há honrarias, vantagens, munificências que possam compensar qualquer prejuízo da liberdade da Igreja.

Desta afirmação, temos eloquentíssima prova na análise da situação religiosa da Espanha. Ninguém ignora que desde sua ascensão ao poder, procurou o Gal. Franco entrar em entendimentos com a Santa Sé a respeito das relações entre a Igreja e o Estado. Ofereceu-se o "caudillo" a restaurar todos os privilégios, honras, prerrogativas e vantagens de que gozava na Espanha monárquica o catolicismo. No mundo moderno, não sei de país em que a Igreja fosse cercada de regalias maiores. Entretanto, o "caudillo" pediu em compensação uma só coisa: que a Igreja renunciasse ao direito de escolher livremente os Bispos, aceitando a colaboração do Estado neste assunto. Até agora, a concordata, por este motivo, não foi assinada. É tão alto o preço da liberdade para a Santa Igreja!

* * *

Não se pense que advogando a liberdade da Igreja estamos tomando a defesa do liberalismo. Não somos dos que entendem que, quando a Igreja exerce todo o direito que possui de pregar livremente a verdade e o bem, se deve dar à califa dos comunistas, socialistas etc., idêntica liberdade. Não sabemos por que a liberdade de Nosso Senhor há de gerar necessariamente a de Barrabás. Tranque-se nas masmorras o criminoso, deixando-se livre o Justo. A liberdade não é uma abominável licença para que todos, bons e maus, façam o que entenderem.

O Estado liberal comete um crime quando, sob pretexto de liberdade das almas, deixa que se preguem os princípios os mais subversivos impunemente. Sua conduta é tão ilógica quanto se, sob pretexto de não coarctar a liberdade que tem os vendedores de gêneros alimentícios sadios de fornecer livremente sua mercadoria, ele se declarasse incompetente para impedir que os vendedores de gêneros deteriorados também vendessem sua mercadoria.

* * *

Por isto mesmo, também erraram crassamente certos doutrinadores totalitários europeus quando, sob pretexto de combater o comunismo ou o socialismo, entenderam de policiar também as atividades da Igreja Católica, e ainda mais crassamente erraram certos católicos ingênuos e falhos de princípios que aceitaram de boa mente que se algemasse na ponta de uma corrente a Santa Igreja de Deus, desde que na outra ponta se algemassem os comunistas, corifeus do Anticristo.

Consentir, em tese, em que a Igreja seja algemada para que também o sejam os seus adversários é absolutamente tão estúpido e tão iníquo quanto entender que Nosso Senhor deveria realmente ter sido crucificado desde que tal fosse necessário para não serem soltos os dois ladrões.

Tanto o erro liberal de conceder liberdade ao bem e ao mal, quanto o erro totalitário de oprimir igualmente o bem e o mal, são graves e procedem da mesma raiz. Em presença da Verdade, que é a Igreja, tanto o Estado liberal quanto o Estado totalitário tomam uma atitude idêntica à de Pilatos perguntando "quid est veritas" - "o que é a Verdade?".

O agnosticismo, o indiferentismo entre a Verdade e o erro, o Bem e o mal, é sempre uma fonte de injustiças. E o católico não pode pactuar, nem com uma, nem com outra coisa.

* * *

Estas reflexões são importantíssimas no presente momento. A derrocada dos exércitos nazistas se afirma de modo cada vez mais claro e não é difícil entrever o alcance e a natureza dos problemas que teremos de enfrentar depois desta guerra. Todos falam a este respeito. [...] O certo é que a Santa Igreja também deverá ter um lugar no mundo de amanhã, e nós não vemos quem com isto se preocupa.

Os católicos estão passando, na Alemanha, na Áustria, na Checoslováquia, na Holanda, na Bélgica, na França, no Luxemburgo, na Polônia, e na Rússia por martírios inomináveis, de que talvez só encontraremos precedentes na era das catacumbas.

Em outros países os riscos que a Santa Igreja corre são simplesmente vertiginosos.

No Extremo-Oriente, infiltra-se um pensamento cada vez mais radicalmente nacionalista, que já acarretou uma expulsão em massa de missionários católicos do Japão e ameaça seriamente as missões da China.

Tudo isto são problemas, terríveis problemas, gravíssimos problemas. E não só isto: para nós, católicos, são problemas supremos, pois que tudo quanto diz respeito à Santa Igreja de Deus em qualquer parte do globo é para nós de suprema importância. Onde os parlamentares, os jornalistas, os escritores, os homens de Estado que se preocupam com isto?

Não desperdicemos nem nossa solicitude, nem nosso prestígio, nem nossas forças, pensando em assuntos certamente interessantes e até nobres como o das minorias étnicas, sem antes ter feito tudo quanto está em nosso alcance pelo maior de todos os assuntos: a liberdade e grandeza da Santa Madre Igreja no mundo de amanhã.


Bookmark and Share