As críticas polidas, se bem que desassombradas, que
o “Legionário” tem feito ao fascismo
provocaram uma certa reação, manifestada
através de algumas reclamações que
recebemos.
A esse propósito, julgamos conveniente lembrar o
belo exemplo de outra colônia
estrangeira aqui residente: a dos russos
brancos.
Em torno deste tema desenvolveremos, sem
intuitos polêmicos, algumas reflexões,
ditadas igualmente por nosso grande amor
à Igreja e pela sincera simpatia que dedicamos à Itália.
* * *
Chamamos correntemente russos brancos os
russos anticomunistas que aqui vieram
ter, depois da formidável tragédia que
derrubou o trono dos Romanov, e reduziu a escombros a civilização russa cristã, apoiada
sobre o frágil alicerce de uma igreja cismática.
Ninguém ignora que, quando se proclamou a república
na Rússia, o movimento
esquerdista tomou um imenso
desenvolvimento, e que os elementos sadios, agrupando-se em torno de alguns núcleos de resistência,
procuraram debalde, com as armas na mão, preservar sua terra do domínio
vermelho. Como se sabe, postas em debandada as
forças reacionárias, as pessoas vitimadas pelos comunistas foram sem conta. E as que
conseguiram escapar espalharam-se pela
Europa, chegaram até os Estados Unidos e
finalmente vieram ter ao Brasil. Esses
gloriosos fugitivos, muitos dos quais traziam ainda as cicatrizes
recebidas no campo da luta, estavam reduzidos
à mais negra miséria, e foram obrigados por isto a se sujeitar aos mais
humildes afazeres. Príncipes
transformados em engraxates, duques copeiros, milionários lixeiros, artistas ou
intelectuais faxineiros, tudo isto se viu então, pelas grandes cidades onde os
emigrados russos arrastavam suas feridas de guerra, sua miséria e seu imenso
infortúnio.
É conhecida a linha de suprema distinção com que
estes elementos souberam enfrentar a catástrofe que sobre eles desabara. A todo
o momento, a propaganda comunista rondava em torno deles, a fim de ver se se aproveitava de
sua miséria para, subornando-os fartamente, transformá-los em agentes
comunistas. Que glória, para os soviets, exibir
perante as massas ingênuas e embasbacadas, nos “meetings”
de propaganda, algum antigo aristocrata,
algum ex-general ou ex-professor universitário da Rússia imperial, pregando
hoje, denodadamente, a revolução social!
Com as mãos cheias daqueles dinheiros
que tanto seduziram a Judas, os propagandistas soviéticos bateram a inúmeras
portas de mansardas onde russos brancos
devoravam alguma bolorenta crosta de pão, obtida por um trabalho insano ou até pela esmola, em algum
bairro popular de Londres, Paris ou Nova
York. Era um meio fácil de escapar à miséria. Quanta mãe não via neste dinheiro
um meio de salvar a vida de alguma filha doente! Quanto pai angustiado não
teria com esses rublos os recursos necessários para arrancar a família à
indigência! Entretanto, foi notavelmente pequeno o número de pessoas que se
deixaram peitar. Nas suas linhas gerais, os elementos anticomunistas resistiram com uma admirável energia.
Tanta miséria, subseqüente a um passado
freqüentemente tão glorioso e tão opulento, e ilustrada não raras vezes por
terríveis cicatrizes, constitui um inegável atestado de patriotismo e de
grandeza de alma. Quem fala, munido de
tais credenciais, tem certamente o direito de
falar...
* * *
Poderiam esses, empolgados por seu ardente e
heróico patriotismo, sentir o desejo de ocultar os horrores que haviam presenciado em sua pátria, a fim de
diminuir aos olhos do mundo o imenso
manto de opróbrio e de vergonha que o comunismo estendeu sobre a Rússia. (...)
Entretanto, os russos brancos não se deixaram
iludir pelas solicitações de um falso patriotismo. Em primeiro lugar,
consideraram que o amor à humanidade em geral se deveria sobrepor, neste caso, ao próprio amor
da pátria.
Em segundo lugar, refletiram com muito acerto que
um povo não pode ser julgado exclusivamente pelos erros de seus filhos
culpados, mas também pela elevação de
procedimento de seus filhos dignos. Se existia a nódoa do comunismo na
Rússia, bastaria a epopéia desse exílio digno e cruciante que sofriam os russos
brancos, para lavá-la largamente. E, por
estas e por outras razões, os russos brancos se transformaram, por toda a
parte, nos mais ardentes inimigos do
comunismo.
Assim, em todos os lugares, narravam eles
minuciosamente os horrores sofridos, as bestialidades
assistidas, os saques, os incêndios e os morticínios perpetrados. Se aparecia algum livro contando o que de ruim
se passava na Rússia, eram os russos
brancos os primeiros a adquiri-los, a despeito de sua pobreza e, depois,
eram seus melhores propagandistas.
E assim, se pela dignidade de seu infortúnio
se recomendaram à simpatia do mundo
inteiro, pelo valor de seu trabalho se impuseram à admiração e ao reconhecimento de todos os povos da terra.
Haveria melhor modo de ilustrar a Rússia branca, a
Rússia verdadeira, a Rússia autêntica, do que mostrar o quanto esta Rússia
reprovava a Rússia falsificada, desvairada,
enlouquecida pela propaganda comunista?
Foi assim que aqueles heróis de mil combates
materiais e morais lavaram a nódoa que ensangüentou seu desditoso, conquanto belo e grande país.
* * *
Volto agora meus olhos para a Itália. Nenhum italiano católico, tendo lido a alocução pontificial de Natal,
pode, sem indisciplina criminosa, deixar de reconhecer que o governo fascista anda gravemente
transviado, e se tem tornado réu de censuráveis ações contra o Papado.
Qual a verdadeira conduta do bom italiano nesta
emergência? Dizer que aqueles que ultrajam a dignidade sagrada do Papa e seus
cabelos brancos de venerável ancião
encarnam a verdadeira Itália, e portanto são
intangíveis? Mas não é isto reconhecer que a Itália se identifica com
tais erros? Não é isto, pois, assacar uma
grave e injusta ofensa contra a Itália, aquela Itália tão gloriosa que seu patrimônio moral deve
ser amado por todos os católicos?
Por que, em lugar disto, não adotar a tática dos
russos brancos? Por que não proclamar, alto e bom som, que, em nome da Itália
autêntica, que é católica, os verdadeiros
italianos condenam tais erros? Por que não dizer que o governo fascista errou, mas que, nestes
erros, se divorcia do povo? Não é este o
verdadeiro modo de defender a reputação
italiana na Cristandade inteira?
* * *
Poder-se-ia talvez objetar que os erros do
comunismo são imensamente mais graves
que os do fascismo, e que portanto meu
argumento não colhe.
Pelo contrário, está aí uma poderosa confirmação
para minha tese. Se os russos agiram bem quando denunciaram até os maiores opróbrios de sua terra, por
que não hão de os italianos cumprir o mesmo dever, quando ele se lhes apresenta
muito menos penoso, pois que consiste em denunciar erros muito menos funestos?
Outro argumento que se apresenta é que o “Legionário”
deveria atacar o fascismo e não Mussolini.
Não sei porque. Ou Mussolini
é o homem que encarna o fascismo, o autor de todas as grandes realizações
deste, o diretor supremo de tudo que se faz na Itália em matéria política e administrativa, ou não. No
primeiro caso, a responsabilidade lhe toca plenamente, e portanto deve ele ter
parte em nossa censura. No segundo caso,
não é ele o grande homem que todos imaginam, mas um indivíduo que,
colocado à teste do governo, deixa que
outros magoem atrozmente o Papa, enquanto ele cruza os braços. É uma figura de proa.
“O Duce tem sempre
razão”, diz o famoso decálogo fascista.
Se assim é, e se o Duce não evita os ataques ao Papa,
de duas, uma: ou ele não quer, ou ele não pode.
Se não quer, merece censura. Se não pode, os nossos ardentes reclamantes não têm razão para se
entusiasmar tanto com ele. Cumpre aliás acrescentar que nossas críticas ao Duce, se afetaram a sua obra política, nunca se dirigiram à sua vida privada, para o quê
não nos teria faltado pretexto, com o escandaloso episódio da jornalista Marta Fontagnes, com ou sem fundamento
explorado pela imprensa do mundo inteiro.
Nunca saímos, pois, do terreno em que nos competia
ficar.
* * *
Seria louvável que nossos reclamantes se
espelhassem na atitude modelarmente discreta da
grande maioria da benemérita colônia
italiana no Brasil, e que seguissem o exemplo dos muitos e muitos italianos
aqui residentes, que, com simpatia geral, seguem a orientação do Papa. É este o verdadeiro caminho a seguir.
O “Legionário” estará sempre ao lado do Papa. Por
isto mesmo, nunca estará contra a
Itália. Porque a causa da Itália autêntica, da Itália de Dante,
de São Francisco de Assis e de São Tomás
nunca poderá ser dissociada da causa do
Papado.