Plinio Corrêa de Oliveira
A estratégia apostólica de Pio IX
Legionário, No 326, 11 de dezembro de 1938 |
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Definição do Dogma da Imaculada Conceição pelo Bem Aventurado Papa Pio IX
Muitos
foram os comentários de caráter litúrgico e
piedoso que se fizeram a respeito da data da Imaculada Conceição.
Entretanto, uma das reflexões que o assunto suscita ficou completamente de
lado. Cumpre recordá-la porque ela conserva, em nossos dias, uma
atualidade palpitante.
* * *
Não é
fácil, para quem vive em nossos dias, ter uma idéia da devastação que o
racionalismo e o modernismo fizeram na
sociedade européia e americana, em todo o decurso do século XIX.
O
espírito humano, profundamente trabalhado pelos materialistas, pelos
revolucionários de todos os matizes, sentia dentro de si uma revolta
ardente contra o sobrenatural que o levava a repelir tudo quanto não
pudesse cair diretamente sob a ação e o controle dos sentidos. Por isto
mesmo, todas a religiões, e principalmente a Católica, na qual o
sobrenatural se patenteia de forma visível e autêntica, foram como que
postas de quarentena pela opinião pública. E todos os espíritos
procuravam, tanto quanto possível, libertar-se da crença em uma ordem de
fenômenos que não se enquadrasse rigorosamente dentro das leis da
natureza.
A bem
dizer, talvez nove décimos da opinião européia estava eivada de
racionalismo e de modernismo. Evidentemente,
essa contaminação não era igualmente extensa nem igualmente profunda em
todos os espíritos. No entanto, mais visível em uma, menos em outros, ela
tinha se insinuado de tal maneira que, mesmo entre os católicos leigos os
mais eminentes, se podia notar uma ou outra infiltração daquelas tremendas
formas de heresia.
Quatro
eram as posições principais tomadas pela opinião pública perante a grande
crise religiosa da época:
1 -
aqueles que, corroídos a fundo pelo vírus
racionalista e modernista, tinham sido atirados aos extremos da
irreligiosidade, isto é ao ateísmo radical seguido de um
anti-clericalismo militante e não raras vezes
sanguinário;
2 -
aqueles que, sem ter a coragem de romper com toda e qualquer convicção
religiosa, estavam explicitamente colocados fora da Igreja, admitindo tão
somente um espiritualismo ou um cristianismo vago, largamente acomodado
aos princípios modernistas e racionalistas;
3 -
aqueles que, sem ter a coragem de romper com a Igreja nem com o espírito
do século, proclamavam-se católicos, mas sustentavam seu direito de
professar, em um ou outro ponto, doutrinas contrárias às da Igreja;
4 -
aqueles que, sem ter a coragem de sustentar que divergiam da Igreja e
muito menos de se separar dela, procuravam, entretanto, interpretar
capciosamente a doutrina católica, de forma a lhe alterar em alguns pontos
o conteúdo autêntico e tradicional, e acomodá-lo com os erros da época.
A dizer
a verdade, os que estavam inteiramente fora dessa classificação, os que
haviam rompido inteiramente com o espírito do século e que se conservavam
sem nenhuma jaça de racionalismo ou de
modernismo eram tão poucos que podiam ser contados pelos dedos, nas
fileiras do laicato, especialmente nos círculos intelectuais e sociais
elevados.
O
aspecto que a Igreja apresentava era, então, a de um imenso edifício que
se esboroa aos pedaços. De seus milhões de filhos, pouquíssimos
conservavam seu autêntico espírito. Na sua quase totalidade, eles
conservavam apenas réstias de Fé, como o horizonte do crepúsculo, que
conserva réstias de luz, vestígio derradeiro de um dia que está chegando
ao seu fim. E a noite completa não haveria de tardar.
* * *
À vista
disto, como deveria agir a Santa Igreja?
As
opiniões estavam divididas e, efetivamente, o assunto era dos mais
delicados.
Por um
lado, uma reação clara e definida haveria de gerar uma imensa oposição,
arrastando para a heresia explícita e categórica muitos espíritos que
ainda se achavam ligados, mais ou menos, à Igreja Católica. Por outro
lado, entretanto, se não se opusesse um dique formal e categórico à onda
da heresia, que ia subindo, seria inevitável que, mais cedo ou mais tarde,
os desastres assumissem proporções tais que a Igreja viesse a conhecer os
mais tristes e mais angustiosos dias de sua existência.
Pio IX
optou por um gesto de energia, e resolveu convocar o Concílio do Vaticano,
a fim de estudar e de decidir sobre a infalibilidade papal e o dogma da
Imaculada Conceição. Um grande e largo gesto de audácia da Igreja
enfrentava, pois, o espírito do século, em um desafio que parecia louco.
Realmente, falar em dogmas naquela época já era uma temeridade. Definir
dogmas novos, temeridade maior. E definir como dogmas exatamente a
Imaculada Conceição e a Infalibilidade papal, em uma época tremendamente
racionalista e democrática, parecia uma
verdadeira loucura.
Por
isto mesmo, uma imensa celeuma se levantou nos próprios arraiais católicos
quando a deliberação do Pontífice foi conhecida. Discutiu-se amplamente.
E, para ser objetivo, manda a verdade que se diga que a oposição foi tão
forte que a quase totalidade dos Bispos franceses se opôs claramente à
definição daquelas duas verdades de Fé.
Por que
isto? Porque discordassem delas? Não. Mas porque achavam que o espírito
transviado do século XIX só poderia ser atraído ao redil por um largo
sorriso de concessão e de tolerância; que não é com golpes de audácia mas
com uma invariável brandura, que se consegue a conversão das massas; que
seria loucura das mais declaradas, procurar desafiar o espírito público.
Realmente, com esta atitude ousada, todos se irritariam e se confirmariam
no erro. Seria necessário contemporizar e conquistar pela persuasão e pela
doçura. Só esta tática é que seria viável.
* * *
No
Concílio do Vaticano, reuniu-se a Santa Igreja através de seus Bispos,
iluminados pelo Espírito Santo, e além da questão doutrinária, este grande
problema de estratégia foi discutido. A bem dizer, era talvez a primeira
ocasião em que este problema estratégico se apresentava ao exame do
Episcopado com tanto vigor, depois do Concílio
Tridentino.
Os
fatos pareciam dar inteira razão aos Bispos de opinião diversa da do Papa.
Uma celeuma imensa se levantava pela Europa. As
apostasias se multiplicavam. As discussões no Concílio eram longas
e apaixonadas. Em última análise, ao lado da questão doutrinária se
discutia o seguinte problema:
1 - um
gesto de vigor tendente a preservar as massas do erro, conseguirá
realmente imunizar os elementos não contagiados?
2 -
esse gesto não terá como conseqüência exacerbar os espíritos que vacilam e
levá-los à heresia?
3 -
sobretudo, não produzirá ele o efeito de enraigar
no erro indivíduos que poderiam talvez, pela persuasão, ser conduzidos à
Verdade?
À
primeira questão, o Concílio respondeu, “sim”. Às outras duas, “não”.
Foi
este o significado da promulgação solene daqueles dois grandes dogmas.
* * *
Aparentemente, o Concílio errara. Continuava a irritação da incredulidade.
O Arcebispo de Paris foi assassinado em plena Catedral por um indivíduo
irritado pelo dogma da Imaculada Conceição. Rios e rios de tinta se
gastaram para provar que o Concílio era retrógrado e obscurantista. Rui
Barbosa escreveu seu famoso “O Papa e o Concílio”. A revolta contra a
Igreja era franca e declarada...
Entretanto, os resultados esperados pelo Concílio não se fizeram esperar
muito.
Em
primeiro lugar, todos os católicos militantes deram sua adesão
incondicional. No seio do povo, as verdades definidas pela Igreja foram
aceitas graças ao vigor com que a Igreja as promulgara. Até nos círculos
intelectuais, o vigor com que agira o Papa lhe atraiu o respeito geral, e
todo o mundo começou a respeitar e se interessar por uma Igreja dotada de
tal vitalidade. O racionalismo e o modernismo
foram decaindo gradualmente. E, hoje em dia, a Igreja esmagou com sua
vigorosa autoridade o dragão que ameaçou devorá-la no século XIX. * * *
Nossa Senhora do Apocalipse Imagem venerada na Sala São Luis Grignion de Montfort da sede do
Evidentemente, ninguém pode negar o alcance deste acontecimento histórico.
Erram os que condenam as manifestações vigorosas da Fé, e que julgam
imprudente e contraproducente qualquer gesto de energia e de vigor
combativo dos filhos da Luz contra os filhos das Trevas. Aí está o triunfo formidável e definitivo de Pio IX a prová-lo. Ao que ficou dito acima, só uma ressalva temos que acrescentar. É que se o modernismo e o racionalismo foram enfrentados e esmagados na sua forma aguda, eles ainda se dissimulam sob a forma de mil erros diversos e precisam ainda ser vigorosamente combatidos. Foi para a extirpação destes e outros erros que Pio XI constituiu a Ação Católica. E a nós só nos cabe apoiá-la e prestigiá-la com todas as nossas forças, para que ela realize hoje o que já no século XIX realizou o magnífico golpe de Fé do Papa Pio IX. |