Plinio Corrêa de Oliveira

 

Date a Cesare

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

O Legionário, 9 de fevereiro de 1930, N. 52

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O telégrafo nos trouxe, há dias, notícias a respeito da comemoração do primeiro aniversário do Tratado Laterano. Há perto de um ano, a humanidade comemorava, jubilosa, uma das mais justas reparações políticas registradas pela História. O povo romano, aliado à burguesia e à aristocracia, era unânime em aplaudir os representantes da Tiara e da Coroa, em São João de Latrão, quando assinavam o célebre tratado.

A estas expansivas demonstrações de júbilo, que se revestiam de indisfarçável caráter de sinceridade, o mundo inteiro se associou, por intermédio dos representantes diplomáticos acreditados junto à Santa Sé, que, sem exceção de um só, foram levar ao Chefe da Cristandade os votos de felicidade de seus soberanos e chefes de Estado. Acotovelavam-se no banquete então oferecido pelo corpo diplomático os embaixadores da catolicíssima Espanha, da França, a primogênita da Igreja, da Inglaterra anglicana, do Japão budista, da Alemanha protestante, e de todos os demais países do mundo. Nenhuma manifestação de desagrado veio empanar o brilho das comemorações.

No entanto, aos poucos, murmúrios de desaprovação se foram fazendo ouvir. Aos poucos, o movimento antilateranista se foi acentuando, e hoje, em todo o universo, conta com numerosos adeptos. É preciso, no entanto, que os católicos se armem para defender a atitude assumida por seu Chefe, e para isto convém estudar a campanha sob seus aspectos numerosos.

Um dos mais interessantes aspectos é o que lhe emprestam certos indivíduos que, intitulando-se fascistas, pretendem, na qualidade de adeptos de Mussolini, atacar a Santa Sé. A manobra é felina. Cobrindo-se com o manto do fascismo, tais indivíduos conseguem, simultaneamente, atacar a Santa Sé e, de certo modo, associar aparentemente o fascio nos seus ataques.

Esta é, por exemplo, a atitude do Sr. Missiroli, no seu livro Date a Cesare, já catalogado no Índex, e contra o qual "La Croix" levanta bem fundamentadas ponderações.

O Sr. Missiroli pretende, em uma palavra, afirmar que o Tratado Laterano representa uma vitória de César. Sua tese, desinteressante em si mesma, levantou algum alarde nos círculos antifascistas e anticlericais europeus.

Afirma o Sr. Missiroli que o Santo Padre se curvou às injunções de Benito Mussolini. O Sr. Missiroli obteve, para fundamentar suas afirmações, os esquemas preliminares do Tratado Laterano.

Nesses esquemas, no entanto, o que se vê é precisamente o contrário do que leu o Sr. Missiroli: o Santo Padre insistiu sempre no reconhecimento da soberania pontifícia sobre um território qualquer. A extensão pedida, a princípio, para este território, pelo Pontífice, era maior do que a atual. Cumpre notar, porém, que foi com extrema facilidade que Sua Santidade cedeu aos pedidos de redução de território formulados pelo Sr. Mussolini, porque a extensão territorial do futuro Estado Pontifício era apenas uma questão de detalhes.

No entanto, nota-se que, em relação à idéia essencial, que era a do reconhecimento da soberania pontifícia, o Sr. Mussolini muito relutou, e acabou por ceder, atitude esta pouco freqüente no brilhante chefe do governo da Itália. As negociações estiveram até suspensas, durante longos meses, por causa da relutância do Primeiro-Ministro, relutância esta que correspondia à inteira firmeza do Santo Padre no ponto de vista contrário.

Foi então o Sr. Mussolini quem cedeu quanto à soberania, depois de ter cedido o Papa quanto à extensão territorial, e o divino preceito "Dai a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus" aplicou-se, então, em toda a sua verdadeira significação, tão diferente da que forjou o Sr. Missiroli.

Para terminar, lembraremos apenas que o Santo Padre, em um discurso aos seminaristas romanos que o foram visitar, dizia, a respeito do território da Cidade do Vaticano, mais ou menos o seguinte: "São Francisco de Assis dizia não querer senão a porção de carne suficiente para reter a alma; Nós, também, apenas quisemos a porção de território suficiente para conter Nossa Soberania".

Esta comparação, extremamente pitoresca, em que a soberania figura como a alma do território, pinta ao vivo os sentimentos do Santo Padre.

Se Sua Santidade pediu uma extensão de território um pouco maior do que a que atualmente ocupa, foi apenas para maior comodidade das instalações da Cidade Vaticana. No entanto, verificando que poderia levar mais adiante as suas concessões, e aplicar ainda mais rigorosamente o princípio de São Francisco, que a si mesmo impusera, não hesitou em o fazer.

Teria por acaso cedido o Sumo Pontífice?

Os espíritos imparciais, aqueles que, ao contrário do Sr. Missiroli, não estão com a lucidez empanada pela má-fé, que respondam à luz dos fatos que citamos, fatos estes comprovados pelos próprios documentos que o Sr. Missiroli invoca a seu favor.


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