11. As TFPs e o "modelo polonês" de socialismo

 

POR MÚLTIPLAS razões religiosas, étnicas e geográficas, a Polônia tem ocupado, dentro do mundo católico, um papel que merece respeito e atenção especiais.

Notadamente a partir de princípios da década de 80, pretende-se que aquele país se transforme em uma espécie de cadinho, no qual se intenta levar a bom termo a experiência cíclica de novo modelo de socialismo. No caso o "modelo polonês", espécie de comunismo de "mão estendida", com "face humana", convergencial e autogestionário (1), celebrado então freneticamente, pela publicidade ocidental, como a grande solução para o século XXI.

(1) Segundo "O Globo" (RJ), de 14 de novembro de 1981, "Walesa assegurou que 'a crise atual na Polônia pode ser resol­vida através da autogestão bem organizada dos trabalhadores. ... A principal tarefa agora é criar uma forte autogestão operária".

 

Estabelece-se um relacionamento sui generis – que certo órgão de imprensa denomina "triângulo polonês" – entre o governo de Varsóvia, o Episcopado e a coligação de organizações rotulada "Solidariedade", liderada pelo eletricista Lech Walesa.

As esperanças de que algo muda no comunismo – ou na Santa Igreja de Deus... – e portanto no mundo, ganham novo alento junto aos pacifistas a qualquer preço do mundo inteiro.

O que estes parecem não considerar, é que no vértice do tal "triângulo polonês" está o governo de Varsóvia. Ou seja, um governo oficialmente comunista, fantoche do Cremlin.

Segundo então se noticia, o governo de Varsóvia, o Episcopado polonês e o movimento "Solidariedade" têm metas opostas. Porém não podem tentar derrubar-se, porque daí resultaria uma revolução da qual adviria uma invasão russa. Se não fosse a Rússia – conforme certa saga – os três seriam livres de brigar. Mas como lá está a Rússia, eram obrigados a coexistir. Ou seja, a colaborar. Pois tal coexistência acarreta colaboração.

 

* * *

 

É nesse quadro psicológico que, no dia 15 de janeiro de 1981, o condestável dessa "cruzada" colaboracionista para a consecução do "modelo polonês", o líder sindical Lech Walesa, é recebido no Vaticano por João Paulo II, com honras de chefe de Estado.

Nessa ocasião, recebe das mãos do Pontífice aquilo que, entre desvanecido e ufano, o órgão oficial do Partido Comunista Italiano – "L'Unità" – qualifica de "verdadeira e genuína investidura":

"João Paulo II quis reservar ao líder sin­dical polonês Lech Walesa .... as honras que o protocolo Vaticano prescreve para os chefes de Estado, e que outrora eram reservadas aos sobe­ranos do Sacro império Romano. De fato, com a audiência de ontem, o papa Wojtyla deu a Walesa e ao sindicato 'Solidariedade' uma ver­dadeira e genuína investidura, juntamente com a indicação de uma linha de comportamento"(2).

(2) Edição de 16-1-81.

 

O ponto culminante dessa visita é a recep­ção de Walesa por João Paulo II na legendária Sala do Consistório, uma das mais célebres e suntuosas do Vaticano, onde os soberanos Pon­tífices reúnem o mais augusto dos senados, is­to é, o Sagrado Colégio dos Cardeais.

A voz das TFPs – então existentes em 13 países – não poderia ficar muda ante o de­senrolar de acontecimentos de tal relevância.

Em lúcidos artigos de imprensa, o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira analisa, em seus suces­sivos desdobramentos, o "caso polonês" (3). Esses artigos repercutem enormemente não só no Brasil, mas em outros países do Ocidente (4).

(3) Cfr. os seguintes artigos pu­blicados na "Folha de S. Pau­lo": 1981 e a pergunta polone­sa (31-12-80); Águias e besouro (27-1-81); O terrível genuíno e o terrível balofo (29-1-81); Con­vergência e guerra psicológica (12-2-81); A águia, o fogo e a flor (23-2-81); Quadros vivos. Estampidos (13-3-81); Para on­de? (8-4-81); Moles e moles (11-4-81).

Também "Catolicis­mo", n°s 361, 362 e 364, de ja­neiro, fevereiro e abril de 1981, respectivamente, abordou a te­mática.

(4) Foram eles reproduzidos em "Pregón de la TFP", Bue­nos Aires, n° 43, 1ª. quinzena de janeiro de 1981; n° 45, 1ª. quinzena de fevereiro de 1981; e n° 51, 1ª. quinzena de maio de 1981; em "Tradición, Fami­lia y Propiedad", Santiago do Chile, março de 1981; "Tradi­ción, Familia y Propiedad", Montevidéu, fevereiro e março de 1981; "Covadonga Infor­ma", n°s 42, 43-44, 45-46, res­pectivamente de fevereiro, mar­ço-abril e maio-junho de 1981; "TFP Newsletter", Nova York, vol. II, n°s 15, 17, 18 e 19 de 1981; "TFP Newsletter", Johan­nesburg, n° 6, 1981; "Cristian­dad Informa", n° 8, março de 1984; "El Pais", Montevidéu, 26-4-81.

 

Sem deixar de reconhecer a existência, em "Solidariedade", de um "cerne duro", au­tenticamente anticomunista, o pensador brasileiro exprime sua desconfiança em relação ao "mo­delo polonês" e ao líder sindical Lech Walesa. Pergunta ele: "Como explicar que esse movi­mento, para o qual se pleiteia o direito de ain­da ser impreciso, esteja despertando em setores ideologicamente muito precisos do Ocidente es­peranças precisas?" (5).

(5) "Folha de S. Paulo", 31-12-80.

 

O desdobrar dos acontecimentos não dei­xaria de lhe dar razão.

 

* * *

 

As TFPs têm ocasião de interpelar direta­mente o líder de "Solidariedade", em Roma.

Isto ocorre na manhã do dia 17 de janei­ro de 1981, perante cerca de 200 jornalistas do mundo inteiro que se reúnem para a entrevista coletiva com o líder sindical, na Sala Stampa Estera italiana.

Ao lado direito do entrevistado encontra-se Tadeusz Mazowiecki, espécie de eminência parda de Walesa. Chama a atenção dos presen­tes, aliás, o fato de que o líder sindical só dá suas respostas após ouvir atentamente as pala­vras que T. Mazowiecki lhe sussurra ao ouvido.

A certa altura da entrevista, sr. Paulo Henrique Chaves, jornalista brasileiro – da Agência Boa Imprensa (ABIM) – na época res­ponsável pelo Ufficio Tradizione, Famiglia, Pro­prietà, escritório para a representação das TFPs na Itália – recorda a Walesa que duas obras de autoria do Prof. Plinio Corrêa de Oliveira, Presidente do Conselho Nacional da Sociedade Brasileira de Defesa da Tradição, Família e Pro­priedade – A liberdade da Igreja no Estado co­munista e Baldeação ideológica inadvertida e Dialogo – haviam sido vivamente contradita­das na Polônia pelos srs. Zbigniew Czajkowski, Tadeusz Mazowiecki e A. Wielowiejskì, nos ór­gãos "Kierunki", "Zycie i Mysl" e "Wiez" (6).

(6) Sobre essa controvérsia, ver neste volume Livros publicados por várias TFPs, n°s 2 e 3.

 

O jornalista brasileiro lhe pergunta se ha­via tomado conhecimento dessa polêmica e, em caso afirmativo, qual sua opinião a respeito.

Depois de sugerir aos ouvidos de Walesa a resposta, o sr. T. Mazowiecki comenta desen­xabido: “Não vim aqui polemizar com a impren­sa brasileira".

As palavras articuladas pelo líder sindical nada respondem e se passa a outras perguntas.

Dois dias depois, em Varsóvia, o jornal "Slowo Powszechne" ("Palavra Universal") as­sim noticia o ocorrido:

"Um certo jornalista brasileiro começa um interrogatório [sic] sobre a ‘perseguição reli­giosa na Polônia’. Impaciente, Lech Walesa gri­ta, a meia voz: `Isto é uma conferência ou uma pergunta?' Então, Tadeusz Mazowiecki, fleug­maticamente, constata: 'Vejo que no Brasil se vê o que se passa na Polônia melhor que na pró­pria Polônia'.

"Em seguida, mas já inteiramente sério, retoma o problema da inspiração que a fé cons­titui para Lech Walesa, e esclarece: `Eu creio nisto como cada um crê em qualquer coisa" (7).

(7) Edição de 19-1-81, p. 2.

 

* * *

 

Com a viagem de Walesa a Roma, dir-se-ia que um grande plano estava esboçado, e uma sucessão de acontecimentos iria irromper. Entre­tanto, o sindicalista retorna a Varsóvia, e tudo continua como antes...

Entre o Governo de um lado, e de outro lado o front formado pelo Episcopado e por Walesa, continuam ao longo destes últimos anos as mesmas tensões e os mesmos entrecho­ques vistosos, ocasionados por assuntos de se­gundo plano. Como de estilo, logo depois do choque, suspense: parece que vai acontecer o pior. Mas eis que surge uma fórmula inespera­da, a qual conduz ambas as partes a um diálo­go. E este, por sua vez, leva ao mezzo termine final. Distensão. Alívio geral. Elogios à prudên­cia e cautela do governo, à firmeza versátil de Walesa, e ao Episcopado. Daí a alguns dias, e a propósito de outro assunto do mesmo quila­te, o processo recomeça.

E nesse jogo de tensão e distensão, o pú­blico, exausto, já não acompanha muito os fatos...

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