Plinio Corrêa de Oliveira

 

 

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 "Folha de S. Paulo"

 

 

 

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19 de maio de 1974

O "Sim" é "Não" -- o "Não" é "Sim"

O mundo presenciou estupefato a vitória do divórcio no plebiscito há dias realizado na Itália. – Como explicar que um povo tão católico haja aprovado a lei Fortuna-Baslini, que destruiu na Itália a indissolubilidade do vínculo conjugal?

Obviamente a resposta não pode estar em que o número de católicos decaiu na península. Suposto que algum declínio tenha havido, não é admissível que seja proporcional ao superávit dos votos divorcistas sobre os antidivorcistas. A causa essencial do fato tem que ser outra. A maioria dos italianos, chamada a se pronunciar, fê-lo em sentido contrário à sua consciência de católicos. E aqui se localiza o problema: por que procederam de modo tão aberrante?

* * *

Antes de tudo, parece-me importante acentuar um fator do desastre: a confusão.

 

Tenho em mãos um exemplar do conhecido "Corriere della Sera" de Milão (4-3-74) com fotografia da cédula usada no plebiscito. Parece especialmente feita para induzir em equívoco larga parte da população.

A cédula se divide em duas partes. Em uma se lê "SIM", e na outra "NÃO". Conforme sua preferência, o eleitor deve marcar com uma cruz o campo onde se lê "SIM" ou aquele em que se lê "NÃO". – Mais claro não poderia ser, não acha o leitor?

Entretanto, é impossível ser mais confuso. Pela lei que regulamenta o plebiscito, quem fosse contra o divórcio deveria marcar o "SIM". E quem fosse a favor devia marcar o "NÃO".

Não é de aturdir?

Qual o pretexto de tão extravagante disposição da cédula plebiscitaria? – É que a pergunta feita aos eleitores não era: "Quer o divórcio? Não o quer?; a pergunta era outra: "Aprovais a abrogação da lei n. 898, de 1º-12-70, sobre a disciplina dos casos de dissolução do matrimônio?" Quem quisesse dizer SIM ao divórcio deveria responder que NÃO quer a abolição da lei. Quem quisesse dizer NÃO ao divórcio deveria responder que SIM, quer a abolição da lei.

Como sentir espanto, se uma consulta tão confusa tenha chegado a um resultado paradoxal?

* * *

Ademais, é preciso notar que vivemos numa época de maciça ignorância religiosa. A fim de mover todo o eleitorado católico contra o divórcio, teria sido preciso que os propugnadores da indissolubilidade tivessem dado à sua campanha uma tônica marcadissimamente religiosa. Isto é, deveriam ter dito – com base em larga citação de textos pontifícios – que o divórcio é proibido pela lei de Deus, viola o direito natural, e atenta contra o caráter sacramental do matrimônio cristão.

Pelo contrário, os antidivorcistas se basearam sobretudo em razões sociológicas, concludentes sem dúvida, mas complexas, e portanto de difícil aquilatação pelo público. E em matéria religiosa se limitaram a acenar para o Tratado de Latrão. Invocar um tratado, por respeitável que seja, quando se poderia invocar a lei de Deus... por aí pode o leitor calcular quanto foi pífia e pobre em força persuasiva a campanha antidivorcista. Efeitos óbvios do irenismo progressista.

* * *

S.S. o Papa Paulo VI, em alocução do dia 15 do corrente mês, asseverou que se sente tomado de "assombro e dor" por verificar que a estrondosa derrota teve também por causa o fato de que a tese da indissolubilidade "careceu da solidariedade de não poucos membros da comunidade eclesiástica".

Aqui está o pior. É mais um fruto péssimo do progressismo, que sopra impune ou quase tanto, nos meios católicos. Ontem ele entregou o Chile ao comunismo. E hoje ele golpeia a família na Itália. – Mas a isto que comentário fazer?