Plinio Corrêa de Oliveira

 

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 "Folha de S. Paulo"

 

 

 

 

  Bookmark and Share 21 de dezembro de 1987

Extremismo igualitário no ensino de História

Deite o leitor os olhos sobre as Disposições Transitórias do Projeto Cabral, art. 24. Merece ser lido, pelo menos em razão da surpresa que transpassa todo brasileiro sensato.

Diz este artigo: "O Poder Público reformulará em todos os níveis o ensino da história do Brasil, com o objetivo de contemplar com igualdade a contribuição das diferentes etnias para a formação multicultural e pluriétnica do povo brasileiro (o destaque é do Prof. Plinio).

"Parágrafo único – A lei disporá sobre a fixação de datas comemorativas de alta significação para os diferentes segmentos étnicos nacionais".

O Projeto Cabral, agora em sua última redação, será exposto em breve à votação em plenário da Assembleia Constituinte. Esta deverá, pois, aceitar ou rejeitar o radicalismo igualitário cru que se manifesta, aliás, também em vários outros artigos do mesmo projeto.

Como se vê, dispõe este artigo nada mais nem menos do que uma revolução no ensino da História pátria. E uma revolução que nada poupará, pois será feita "em todos os níveis". Ou seja, atingirá desde o curso primário e secundário, e imporá sua pesada carga até ao ensino universitário.

Ora, essa "reformulação" (ou seja, revolução) constituirá, se aprovada, um dos maiores, senão o maior lance de despotismo educacional até hoje levado a cabo no Brasil. E se choca de modo violento com a liberdade de pensamento assegurada nestes termos pelo mesmo Projeto Cabral: "Art. 6º, pgf. 5º – É livre a manifestação do pensamento, vedado o anonimato".

Com efeito, o "objetivo" do ensino de História no Brasil consistirá em "contemplar com igualdade" o papel histórico das diferentes etnias existentes entre nós do ponto de vista da "formação multicultural e pluriétnica do povo brasileiro".

O que vem a ser, nesse contexto, "formação multicultural" de nosso povo? É o simples fato de que nele se radicaram várias culturas? Banalidade maior não pode haver. Pois se aqui se instalaram as etnias branca, vermelha e negra, cada uma portadora de elementos culturais próprios, é bem evidente que o caráter pluriétnico lhe traz como consequência ser ele pluricultural.

A partir destas sonoras banalidades, o art. 24 enuncia sua meta: que o ensino contemple "com igualdade a contribuição das diferentes etnias", para a "formação (...) do povo brasileiro".

"Contemplar" indica aqui que o ensino da História deve distribuir "com igualdade" a quota de extensão e de realce, a ser atribuída a cada etnia na "formação multicultural" de nosso povo.

Qual o alcance da aplicação desta plaina igualitária no ensino da História?

Esta, já o dizia o velho Heródoto, é a narração e explicação dos fatos certos, passados e dignos de memória. Ela deve ser, pois, a imagem fiel do que ocorreu.

Em consequência, a quota de importância que o ensino deve atribuir à ação histórica de cada etnia deve corresponder à respectiva importância no conjunto da vida brasileira.

E, dado que as várias etnias sempre exerceram aqui papéis de importância muito desigual, a História que atribua igual importância ao papel das diversas etnias, deixa ipso facto de ser História.

Ademais, o art. 24 do Projeto Cabral insinua que o fim normal de um povo pluriétnico, como o nosso, é manter as várias etnias em compartimentos estanques, para preservar a autenticidade de cada qual.

Tacho de antinatural esse como que "apartheid", pois todo convívio tende habitualmente a uma mútua assimilação, ou seja, a uma tal ou qual mescla. E, conforme o caso, a uma mescla completa.

No Brasil, a tendência é clara para esta mescla cultural. Ela é um fato irretroagível, e corresponde a um imperativo do modo de sentir e de ser de nossas três etnias principais. A mesma tendência se exprime também com as importantes colônias italiana, espanhola, alemã e austríaca, síria e também nipônica, a que acertadamente abrimos nossas fronteiras no século XIX.

Pode-se ponderar, é bem verdade, que as várias etnias minoritárias experimentam a ação simultânea de duas tendências diversas. A centrípeta, tende à miscigenação e à mescla de culturas. A centrífuga resulta de que os "duros" de cada etnia ou colônia de estrangeiros temem o desaparecimento do respectivo bloco social. Por isto, operam eles esforços de resistência à diluição da própria etnia e da respectiva cultura na massa da etnia majoritária dominante. Considero legítimas tanto a tendência centrífuga como a centrípeta, desde que estejam judiciosamente equilibradas entre si.

Tal equilíbrio deve importar em que nenhum obstáculo se oponha a que, em futuro mais ou menos remoto, as várias etnias acabem por se mesclar culturalmente em muito larga medida.

Isto dito, voltemos ao estudo da História.

O art. 24 das Disposições Transitórias do Projeto Cabral só pode ser entendido, a meu ver, como imposição de que o estudo histórico dê igual importância, atenção e espaço a todas as etnias existentes no Brasil. De sorte que, com detrimento do pouco de História que se ensina em nossos cursos primários e secundários, se suprimam dela importantes nacos, a fim de ensinar à nossa juventude algo sobre as andanças nômades dos nossos índios pelos matos, ou coisas congêneres.

É muito de esperar que tal não seja o modo de ver os valores pátrios de muitos professores dos três níveis de ensino. Ora, constitui direito irrecusável para o professor de História, ensiná-la como a entende. Pois é o que corresponde à sua convicção.

Segundo o mencionado art. 24, o contrário é que acontecerá. Alguns burocratas aninhados adrede nos mais altos postos no Ministério da Educação, constituirão um pequeno grupo ideologicamente homogêneo, a impor a todos os professores e alunos, com base no art. 24, o modo de ver do punhado de privilegiados.

E se o professor, ciente de que isto falseia radicalmente a História, alegar seu direito a ensinar o contrário, poderá se lhe instaurar um inquérito administrativo cujo desfecho normal seja sua destituição do cargo docente, ou pelo menos sua aposentadoria compulsória, com os vencimentos habitualmente irrisórios reduzidos na proporção do tempo de serviço.

Nesta forma de ditadura igualitária desembocará então a abertura brasileira, obtida pela esquerda católica, em coligação com tudo quanto é corpúsculo nacional de esquerda, inclusive o PCB e o PC do B, para restabelecer em nosso País... a liberdade!

Mas contra isto duvido que os promotores da esquerdização do Brasil protestem. Pois esta ditadura do ensino – uma das piores formas da ditadura – não importa em luta contra o comunismo. Antes o favorece...


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