Plinio Corrêa de Oliveira

 

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 "Folha de S. Paulo"

 

 

 

 

 

 

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30 de novembro de 1987

Enigma, fuxico e pinga-pinga

Em meu artigo "Regime representativo e ignorância crônica", tive ocasião de pôr em realce um vezo frequente nos debates de nossos dias. Isto é, o de dar preferência à detração pessoal, ao diz-que-diz, ao fuxico – bem entendido, desacompanhados de documentação e argumentação sérias... – e de relegar para segundo plano, ou omitir os temas de verdadeiro porte intelectual, e de real alcance para a escolha dos rumos de nosso País.

Exemplifiquei, a este propósito, com a TFP, objeto de 14 ofensivas publicitárias virulentas, ao longo de seus 27 anos de existência. Nenhuma delas visou refutar algumas das 35 obras escritas por sócios ou cooperadores da entidade, ou por personalidades a ela ligadas. Mais de uma destas obras, entretanto, foi objeto de cartas de louvor de figuras de primeira importância no cenário cultural nacional ou internacional, e alcançou tiragens impressionantes em nosso País, além de várias edições em quase todos os continentes.

O que no momento ocorre é significativo. A TFP está pondo em circulação duas obras de atualidade, pois versam diretamente sobre temas que empolgam a opinião pública.

Uma delas, menciono-a só de passagem, pois dela sou autor. Trata-se de "Projeto de Constituição angustia o País", acerca da qual me abstenho evidentemente de opinar, registrando tão-só ter a venda dela, na grande São Paulo, alcançado uma saída média de 1083 exemplares diários (20.580 livros em 19 dias, o que em nosso País é verdadeiramente excepcional.

Quero entretanto realçar o que paralelamente vai ocorrendo com outra obra, da autoria do destacado sócio da TFP, Dr. Atílio Guilherme Faoro, que é "Reforma Agrária: ‘terra prometida’, favela rural ou ‘kolkhozes’? – Mistério que a TFP desvenda" (Ed. Vera Cruz, 198 pp.).

Nesse livro, também ele de excelente saída, com argumentação inteligente e clara, e com dezoito páginas ilustradas, o autor desmonta o mito de que a Reforma Agrária trará para o trabalhador rural a felicidade bucólica que os corifeus do sentimentalismo agro-reformista imaginam: uma casinha encantadora, com seu clássico coqueiro ao lado, onde vive tranquila e folgada, na paz e na fecundidade do campo, o proprietário com sua família, eles mesmos únicos trabalhadores manuais da terrinha da qual tiram o sustento.

Demonstra Atílio Guilherme Faoro irretorquivelmente que "a situação que se instalará com a Reforma Agrária tornará as condições de vida dos trabalhadores rurais e de suas famílias objetivamente piores do que as de hoje" (p. 13). De forma que "a Reforma Agrária se apresenta (...) como uma agressão aos trabalhadores rurais, os quais terão suas condições de vida tornadas ainda mais penosas e injustas" (p.14).

Para chegar a tais conclusões, o autor analisou acuradamente o Estatuto da Terra e a correspondente legislação complementar, além do atual Plano Nacional de Reforma Agrária, recolheu textos de especialistas e de destacados agro-reformistas brasileiros, compilou cerca de 90 notícias extraídas de 27 jornais brasileiros acerca de resultados obtidos em programas de Reforma Agrária já implantados, bem como da orientação governamental para os futuros assentamentos. Referiu ainda análogo fracasso da Reforma Agrária na Polônia, China e Cuba, entretanto apresentados como modelos para a Reforma Agrária brasileira por importantes propugnadores desta (cfr. pp. 147 a 149). E menciona também o fracasso dos "kolkhozes" de Stalin nos anos 20, na Rússia soviética (cfr. pp. 79, 81, 143 e 146). O autor conclui, de tudo isto que os assentamentos rurais, que já estão largamente em vias de implantação pela Reforma Agrária, desfecharão numa "favelização" das condições de vida do trabalhador brasileiro (cfr. pp. 92, 99 a 126).

A alta qualidade desse trabalho foi objeto de categórico e elogioso comentário, em carta que lhe escreveu o Prof. Silvio Rodrigues, catedrático de Direito Civil da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, e Doutor "honoris causa" na Faculdade de Direito da Universidade de Paris XII, bem como autor de famoso parecer sobre o direito que cabe aos fazendeiros de defesa à mão armada em caso de invasão de terras.

Pelo visto, esta obra de inegável valor renova de ponta a ponta toda a controvérsia agro-reformista brasileira. Pois até aqui a propaganda esquerdista a tem apresentado com acentuado matiz de luta de classes, concebida no estilo marxista: fazendeiros x trabalhadores manuais. Os primeiros seriam parasitas ociosos de um proletariado miserável, e a Reforma Agrária suprimiria, com gládio justiceiro, essa situação monstruosa, "eliminando" os parasitas. Os opositores da Reforma Agrária têm redarguido, fazendo notar que na grande maioria dos casos a alegada miséria é mero exagero da propaganda esquerdista, e defendendo no plano moral e jurídico o direito de propriedade que a Reforma Agrária golpeia de morte.

A obra do Sr. Atílio Guilherme Faoro introduz na temática um aspecto inteiramente novo, e que deixa os propugnadores da Reforma Agrária num cruel embaraço: se são verdadeiros campeões dos direitos dos trabalhadores manuais, devem reconhecer que tais direitos são absolutamente solidários com os dos fazendeiros, com os quais devem fazer uma frente única contra o agro-reformismo governamental. Se os atuais corifeus da Reforma Agrária não tomarem essa atitude, devem reconhecer que sua luta não é em favor do trabalhador rural, e que os move tão-só uma ideologia fortemente socialista (para dizer só isto).

Pelo contrário, aos proprietários rurais toca, a partir deste momento, tão-só a agradável tarefa de se unirem aos respectivos trabalhadores contra o lobo da Reforma Agrária, que a uns e outros quer devorar. E assim ficam eles restituídos, aos olhos do público, a seu verdadeiro papel de aliados e protetores naturais dos trabalhadores manuais (uivem contra essas expressões os srs. adversários do paternalismo social, que em resposta lhes dou de ombros).

A obra do Sr. Atílio Guilherme Faoro foi distribuída a todos os Srs. Deputados e Senadores com assento na Assembleia Nacional Constituinte. Não me consta, entretanto, uma só repercussão desse livro-chave nos debates daquela Casa. Mais ainda. Em 40 dias esgotou-se a primeira edição da obra, vendida em 173 cidades de 13 Estados. Não obstante, das várias associações de classe que representam os proprietários rurais nas vastidões deste Brasil, nenhuma tomou a iniciativa de enviar ao autor um só pequeno e modesto ofício de aplauso e solidariedade!

E enquanto assim esses órgãos desperdiçam uma incomparável oportunidade de impulsionar a causa para cuja propulsão fazem, a justo título, gastos verdadeiramente impressionantes, deixam de lado o livro que investe contra a Reforma Agrária com a força decisiva de um "bulldozer".

Por que agem assim? Abstenho-me de responder, mesmo porque, para mim, é um enigma. Me contento em lembrar a frase de Lênin, de que dia haveria, em que os próprios capitalistas venderiam ao comunismo a corda com a qual seriam enforcados.

E o que tem tudo isso a ver com o fuxico, do qual tratei em meu último artigo? Creio que, em mais de um caso, o fuxico tem, nessa profunda anomalia, importante parcela de responsabilidade.

E, sob outro ângulo, também fora da controvérsia agro-reformista, o fuxico que vem assediando a TFP desde seus primeiros dias, continua no monótono pinga-pinga de sua fuxicagem. Pinga-pinga a que a opinião pública presencia com o crescente desinteresse que lhe corresponde.


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