Plinio Corrêa de Oliveira

 

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1º de julho de 1987

O conselho, o farol e a maruja (2)

No momento em que o deputado Cunha Bueno levanta o estandarte da monarquia (diga-se de passagem que com ressonância ponderavelmente maior do que muitos imaginavam), e a hipótese parlamentarista não parece distante da vitória, estou certo de servir meu país, no terreno extrapartidário e apolítico, evocando outra reminiscência do Brasil imperial, a qual deixou em nossa história recordações tão profundas e tão gratas, que se prolongaram, por décadas e décadas, República a dentro, sob a forma de luminosas saudades.

Trata-se do Conselho de Estado, sobre o qual dispunha de modo conciso, elegante e claro, o capítulo 7 (arts. 137 e 144) da Constituição de 1824.

Deste conselho fizeram parte figuras que haveriam de tomar o maior destaque no regime republicano. E que, até a morte, se intitularam de conselheiros. Como se esse conselho prestigioso tivesse sobrevivido à própria monarquia! Assim o conselheiro Antônio Prado, e o republicano dos republicanos, que foi o conselheiro Rui Barbosa.

Tinha esse conselho por fim ser ouvido "em todos os negócios graves e medidas gerais da pública administração..." assim como "em todas as ocasiões em que o imperador se proponha exercer qualquer das atribuições próprias do Poder Moderador...", isto é, do supremo poder do Estado. É o que dispunha o art. 142. Substitua-se "imperador" por "presidente da República" e ficará claro todo o assunto.

Para ser nomeado conselheiro de Estado pelo imperador, era necessário que o cidadão brasileiro tivesse "de idade 40 anos para cima" (art. 45, parágrafo 2º) e que fosse “pessoa de saber, capacidade e virtudes" (art. 45, parágrafo 3º).

Assim, o Conselho de Estado constituía uma elite intelectual recrutada segundo o critério da capacidade pessoal, entre os homens de maior competência nos vários ramos que interessavam então à coisa pública.

Vitalícios, os conselheiros pensavam fora e acima dos vagalhões das disputas partidárias, e representavam o pronunciamento dos expoentes do país sobre tudo aquilo que no Brasil se decidisse de mais importante.

Os conselheiros tinham a palavra para, nas reuniões de Conselho de Estado, fundamentarem os seus votos. O que era registrado nas atas do organismo, e de lá passava (salvo nas sessões secretas) para a imprensa.

Nem o imperador, nem o Parlamento eram obrigados a acatar os pronunciamentos do conselho. Porém, não era frequente que o pudessem fazer com desenvoltura, em razão da grande influência que tais vozes alcançavam junto ao eleitorado.

Bem-entendido, para o Brasil contemporâneo não bastariam os dez conselheiros da era imperial. Deveriam ser, segundo penso, pelo menos cem, divididos em seções especializadas segundo as matérias tão amplas e tão variadas de que cuida o Estado moderno, hipertrofiado pela elefantíase socialista.

Homens com capacidade para tal, tem-nos o nosso país. Se bem que não pululem na área política.

Uma circunstância contemporânea daria ainda muito mais eficácia a um Conselho de Estado.

Até meados deste século, o que ocorresse no Brasil habitualmente repercutia pouco no Exterior.

Hoje em dia, apesar dos disparates de toda ordem que vieram pontilhando nossa vida política, o progresso do Brasil tem sido incoercível. E isto confere, atualmente, repercussão internacional muito mais ponderável a muito do que aqui se passa.

Assim, não seriam raros os assuntos levados a conhecimento do eventual Conselho de Estado que repercutiriam pelo mundo afora. E isto em dois níveis: nos ambientes científicos internacionais, e no público em geral.

Por outro lado, em nossos dias as verdadeiras notabilidades brasileiras já não se contentam em ser conhecidas em nosso território-continente. Querem mais. Ambicionam ser conceituados nos correlativos ambientes de celebridades do mundo inteiro. O normal de um parecer de grande porte, emitido no Conselho de Estado, seria de alcançar notoriedade em todas as revistas e órgãos especializados dos principais países.

Convenhamos em que, em alguns casos, as notabilidades do Conselho de Estado teriam fácil campo para se tornarem célebres. Um parecer que revelasse ao Brasil o modo de sair da atual entalada econômica e financeira, não é bem verdade que ficaria mundialmente célebre?

Ora, se tal seria o galardão dos grandes pareceres, como seria pífia a consideração em que cairiam os documentos apoiados em argumentação apressada, dados contestáveis, e cambaias vistas de conjunto... como é o caso de quanta opinião apressada, interesseira, para não dizer desalfabetizada, de muitos de nossos pró-homens, que se divulgam nos "mass-media" hodiernos.

Tudo isto atuaria como fator constante a exigir estudo, análise, reflexão profunda dos conselheiros.

Se pelo menos notabilidades equivalentes às que lotavam o Conselho do Império ocupassem o Conselho do Brasil de hoje, estaríamos no presente caos? Tenho por muito provável que não. Pois, à maneira de um farol, esse conselho indicaria a rota quando as rochas, os ventos, as brumas e a noite tornassem perigosa a travessia.

É bem verdade que o presidente da República, o gabinete ou o Congresso, poderiam não atender ao conselho.

Mas também o capitão de um navio pode não seguir o facho de luz do farol. Quites, entretanto, a responder depois perante a maruja e os passageiros!


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