Plinio Corrêa de Oliveira

 

Artigos na

 "Folha de S. Paulo"

 

 

 

25 de fevereiro de 1986

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Polvorosa, se não pólvora

Vamos diretamente aos fatos.

A semana passada se abriu com a pasta do Desenvolvimento e Reforma Agrária em crise. Era fortemente questionada a permanência do ministro Nélson Ribeiro. Esse episódio teve um desfecho feliz para quantos dele participaram. Em primeiro lugar, o citado ministro, porque mais uma vez a crise, que parecia ameaçá-lo, se desfez como espuma. E ele continuou na pasta. Em segundo lugar para a Contag, pois despontou aos olhos do grande público como uma das causas decisivas desse fato, em consequência de um telegrama-pressão da entidade ao presidente Sarney e ao deputado Ulysses Guimarães. A julgar pelas notícias, ambos pareciam tomar inteiramente a sério a liderança efetiva da Contag sobre os "2.600 sindicatos e mais de oito milhões de sindicalizados", a ela filiados. Liderança esta que habilitaria a Contag a afirmar que suas legiões laborais (das quais a maioria não se interessa pelo tema reforma agrária) têm a reforma agrária como "aspiração máxima da classe", e absolutamente "não admitiriam um retrocesso" nessa matéria. Uma vez que a continuidade do ministro Nélson Ribeiro era assim publicitariamente atribuída, em grande parte, à Contag, cabia a esta parcela importante da vitória.

Uma vitória cheirando aliás a greves, a arruaças e quiçá, no confim do horizonte, a pólvora. Pois quando "não se admite" que um governo faça algo, afirma-se que se lhe vai impedir que o faça. E o modo pelo qual os agitadores de massa costumam "impedir" o que não lhes agrada é mesmo esse: greves, arruaças... tiros.

Mas, segundo o mesmo noticiário, ao lado da Contag, "outro valor mais alto se levantou" em favor do periclitante ministro Nélson Ribeiro. Foi a CNBB. E compactamente unânime – pelo menos na aparência – tal e qual a Contag. Mais uma vez tocou pronunciar-se sobre o assunto o seu próprio presidente, D. Ivo Lorscheiter, bispo de Santa Maria, conhecido líder da corrente mais esquerdista da entidade eclesiástica. O prelado, sem optar explicitamente pela permanência do ministro Nélson Ribeiro, afirmou entretanto ser "fundamental" que "venha logo uma reforma agrária (...) abrangente". Ao que ele acrescentou que, fosse quem fosse o ministro, a Igreja "cobraria (ao presidente Sarney) a execução do plano de reforma agrária nos moldes estabelecidos" pelo dito Sr. Nélson Ribeiro. O que, tudo, parece dizer ao presidente da República: "Se sair o Nélson, só serve um sósia dele".

E uma pergunta fica no ar. Como pode a CNBB, órgão essencialmente espiritual, "cobrar" do chefe de Estado – a quem cabe a direção da esfera temporal – uma reforma pela qual, segundo a Constituição, este só é responsável perante o país? Não digo que isto tudo faça pensar em pólvora. Mas indubitavelmente faz pensar em... polvorosa.

Confirmando a atitude de D. Ivo Lorscheiter, D. Cláudio Colling, arcebispo de Porto Alegre, qualificado, quão gratuitamente, como da área conservadora do episcopado, elogiou de público a manutenção do Sr. Nélson Ribeiro no cargo.

Sob a influência de tantas pressões, Sarney teria então cedido. Mas também ele teve nisso seu lucro político. E nada pequeno. Pois ele estava absolutamente desgastado ante os setores conservadores e antiagro-reformista da sociedade. E, tendo esboçado a decisão de demitir o Sr. Nélson Ribeiro, causou a grata impressão, nesses mesmos setores, de que, só por si, ele faria uma reforma agrária mais branda, ou até não faria reforma alguma. A culpa da radicalidade da reforma caberia pois à Contag e à CNBB.

Isto, as grandes cúpulas de sindicatos e associações patronais, e bom número de cúpulas médias, concessivas e governistas – porque há décadas não são de outro modo, e o uso do cachimbo lhes entortou a boca – já a esta hora devem estar difundindo prazerosamente em todos os ambientes rurais.

Estas foram as insólitas notícias dos dias 8 e 9, extraídas da Folha e do "Jornal do Brasil". O dia 11 trouxe outras ainda mais carregadas de imprevistos sombrios.

O CIMI (Conselho Indigenista Missionário) é o órgão anexo da CNBB para quanto diz respeito a nossos índios. A julgar pela notícia na Folha do dia 11, tal órgão elaborou um programa com uma série de reivindicações, muitas das quais pouco ou nada têm que ver com assuntos tribais, mas apresentam graves afinidades com os programas da Internacional Socialista, e dos organismos propulsores da expansão comunista mundial, sediados em Moscou. Com efeito, pede o CIMI a "estatização dos serviços básicos de educação, saúde, transporte e habitação", ou seja, a transferência para o Estado, de todos os estabelecimentos privados básicos que cuidam da educação e da saúde, e, no mesmo nível, de todos os que cuidam dos transportes e da construção de moradias. O que é monstruosamente amplo. Ademais, reivindica o CIMI nova legislação agrária, bem se vê em que sentido. A tal ponto que a lei deverá fixar "limites ao módulo máximo da propriedade privada". Não contente com tudo isto, o CIMI requer ainda a "redefinição do papel das Forças Armadas". E, talvez mais espantoso do que tudo, o "estabelecimento de mecanismos que permitam o efetivo controle popular sobre o Legislativo, o Executivo e o Judiciário".

A notícia não explica como serão os órgãos populistas a quem competirá controlar os órgãos governamentais, escolhidos, entretanto, pelo eleitorado em votação direta e secreta. Nem qual será o modo e a amplitude desse controle.

Na ausência destes dados, fica-se a pensar inevitavelmente nos comitês de sangue da Revolução Francesa... ou nos sovietes da revolução russa de 1917.

Os dois últimos itens das reivindicações do CIMI merecem mais detido comentário. Segundo o art. 91 da Constituição federal, às Forças Armadas cabe defender o país contra a agressão externa, e também contra a violação da ordem interna. Ao que parece, a Marinha, o Exército e a Aeronáutica ficarão excluídos da manutenção da ordem interna. O que não cheira só a polvorosa, mas a pólvora.

E se fosse só o CIMI! Outro organismo relacionado com a CNBB é a CPO (Comissão Pastoral Operária). Esta última, diz também a Folha de 11 do corrente, elaborou um "programa conjunto da classe trabalhadora", no qual reivindica que os trabalhadores (portanto os rurais, como os industriais e os comerciais), equiparados aos proprietários, participem da direção empresarial e dos lucros da empresa, e que os sindicatos de trabalhadores tenham acesso aos dados econômicos, financeiros e administrativos, os quais habitualmente cada empresa conserva sob rigorosa e explicável reserva. Com isso se acaba o segredo industrial, e os operários – codiretores – passam a ter sob seu controle toda a vida da empresa. O que reduzirá os poucos patrões que ainda restarem a meros fantoches das oligarquias sindicais operárias.

Acrescente-se ainda a isto que vai retomando corpo nas grandes cidades o vozerio em favor da reforma urbana: expropriação, a preço ridículo, dos terrenos desocupados nas áreas urbanas; congelamento draconiano dos aluguéis, de outra parte devorados pela inflação, etc.

Temos assim a figura global da catastrófica transformação a que está arriscado o país. Uma transformação que, por certo, realizará todos os planos de Moscou sobre o Brasil.


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