Plinio Corrêa de Oliveira
Artigos na "Folha de S. Paulo"
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Suspeita estapafúrdia e juízo temerário A TFP está lançando em todo o País um livro que informa o grande público sobre as tão faladas Comunidades Eclesiais de Base, seus fins, sua ideologia, seus métodos, etc. Esse trabalho demonstra que tais entidades são essencialmente – e por excelência – os instrumentos da CNBB para semear o descontentamento na população e especialmente entre os trabalhadores manuais, transformar em seguida o descontentamento em agitação e, através dessa agitação, impor aos poderes públicos as reformas de base reivindicadas (ora explicitamente, ora apenas mediante insinuação) nos deploráveis Documentos emanados das reuniões episcopais de Itaici. Ou seja, a Reforma Agrária, a Reforma Urbana, a Reforma Empresarial, e alguns corolários. Em outros termos, o confisco das terras cultas e incultas, dos prédios de aluguel (residenciais, comerciais ou industriais), da propriedade das empresas comerciais ou industriais, etc. Tudo isso muito provavelmente com vistas a instituir no Brasil um regime socialista autogestionário mais ou menos análogo ao de Mitterrand. Essa ação da CNBB junto aos trabalhadores manuais das cidades e dos campos se complementa com a atuação de uma torrente de sacerdotes e religiosas que, atuando junto às demais classes sociais, procuram incutir nelas, em nome da Religião, uma dúvida de consciência sobre a legitimidade moral do direito de propriedade que essas classes exercem sobre os respectivos bens. É absolutamente evidente que a CNBB tudo faz, assim, na vastíssima alçada que lhe cabe neste País – em que habita a maior população católica do globo – para promover uma incruenta mas gigantesca revolução social. E, na ponta esquerda da CNBB (estranho corpo composto de centro e de esquerda, no qual entretanto não há direita), vozes se levantam para dizer ou para insinuar que, se essa revolução não for avante por meios incruentos, os "oprimidos" estarão no seu direito de a levar avante por meios cruentos. "Na lei ou na marra", como dizia a antiga expressão. * * * Isto que em três ou quatro parágrafos deste artigo afirmo e assino como presidente do Conselho Nacional da TFP, é imensamente mais denso, mais substancioso e mais rico em alcance – enquanto desacordo reverente mas, ao mesmo tempo, desassombradamente polêmico – do que tudo quanto possa haver de impresso no número falsificado de "O São Paulo", de cujo conteúdo tenho apenas alguma notícia. Esse mesmo número falsificado que o Sr. Bispo D. Luciano Mendes e o ex-presidente da Comissão Justiça e Paz e advogado da Cúria Metropolitana de São Paulo, Sr. José Carlos Dias, foram levar – prestigiados por aparatosa repercussão publicitária – ao Sr. ministro da Justiça, Dr. Abi Ackel, e por meio deste, ao Sr. Presidente da República, general João Batista Figueiredo. Se digo isto de "O São Paulo" falsificado, "a fortiori" digo-o de certas folículas do mesmo jaez, que foram, estejam sendo ou venham a ser difundidas por aí, não sei por quem. E se o livro da TFP contivesse apenas acusações, ainda seria pouco. Mas ele vem apoiado numa documentação simplesmente monumental, elencada na íntegra em suas páginas finais: nada menos de 707 livros, folhetos, jornais, revistas, folículas de toda ordem. Digo com desembaraço ser monumental essa documentação porque, embora eu seja um dos três autores do livro, quem a coletou e analisou não fui eu, mas os dois outros autores, lúcidos e vigorosos intelectuais que integram o quadro social da TFP: os irmãos Gustavo Antônio Solimeo e Luiz Sérgio Solimeo. Na primeira parte do livro, a meu cargo, traço o panorama da atual situação brasileira, no qual mostro a função que assim vai a CNBB assumindo no Brasil. Ou seja, ela vai desenvolvendo uma invasão subvertedora de toda a boa ordem estabelecida por Nosso Senhor Jesus Cristo, quando instituiu a Igreja distinta (se bem que não separada) do Estado. Pois nesta República em que os três Poderes, Executivo (1º), Legislativo (2º) e Judiciário (3º), se vão adelgaçando e desbotando dia a dia mais, se hipertrofia naturalmente o que Carlos de Laet chamou com propriedade de 4º Poder, isto é, a Imprensa, ao tempo dele escrita, e hoje também falada e "televisualizada". Mostro igualmente que, no Brasil, por detrás do 4º Poder, vai emergindo um 5º Poder ainda maior, pois conta com largo apoio dos quatro Poderes já mencionados, e tem ademais seu poder próprio, reconhecidamente imenso. Esse Leviatã, esse 5º Poder, é a CNBB, dia a dia mais ciosa de se meter em matérias que lhe competem cumulativamente com o Estado, e até exclusivamente ao Estado; e dia a dia também menos ciosa do exercício do Poder excelso, inigualável, que Nosso Senhor Jesus Cristo confiou exclusivamente à Igreja sobre matéria especificamente espiritual. É fácil ver como a apresentação desse panorama é própria a agravar aos olhos do público a situação da CNBB. Mas há mais. O leitor sabe, o Brasil inteiro sabe, percorrido como é, de Norte a Sul, pelas pacíficas e heroicas caravanas da TFP, que de 1943 a 1982 venho escrevendo livro sobre livro, com documentação irretorquível e com tiragens (exceto o primeiro) de várias dezenas de milhares de exemplares – neste País onde se multiplicam os motéis e definham as livrarias – mostrando desde seus primeiros albores o nascimento da "esquerda católica" e sua escalada para alcançar todo o poder na CNBB. E agora no Estado. * * * Tudo isto posto, o leitor poderá imaginar meu pasmo lendo em dois números deste jornal (de 8 e 9 do corrente), desinibidas declarações em que o Sr. José Carlos Dias (o referido ex-presidente e atual membro da Comissão de Justiça e Paz arquidiocesana) afirma ter pistas que bem podem conduzir à demonstração de que as falsificações de "O São Paulo" e de outros textos emanados da "esquerda católica" podem vir da TFP! É preciso estar inteiramente alheio ao que significa, ao que tem de si como peso natural na vida das idéias, das correntes de pensamento e de ação que imprimem rumo a um país, uma impugnação, uma documentação, um livro, para imaginar que uma organização, a qual vem fazendo à "esquerda católica" uma oposição alta, compacta e extensa como uma serrania, lucre o quer que seja em esborrifar agora contra essa mesma esquerda algumas gotas de água suja ou, em outros termos, um jornalzinho e uns folhetos falsificados. Mas para quem possui uma noção lúcida e serena da importância cultural do livro, como da importância real da cultura, nas esferas pensantes de um povo, a hipótese cai por terra "a priori". O Sr. José Carlos Dias não entende as coisas assim. E ei-lo a fazer tabula rasa dessa impossibilidade absoluta, e a acompanhar sequioso as investigações policiais na Artpress, gráfica pertencente ao Sr. Fausto Borsato, sócio da TFP. Segundo os próprios jornais, verificou-se que a Artpress não tem máquinas capazes de imprimir o "O São Paulo" autêntico, nem o falsificado. O caso do tal Anuário católico, o qual servira de pista para o religioso que, solerte, foi denunciar a TFP à Polícia, está inteiramente explicado pelos mesmos jornais. Foi esse Anuário pedido pelo Sr. bispo D. Antônio de Castro Mayer para um envio de correspondência a dois mil sacerdotes brasileiros. E, logo em seguida, o mesmo Anuário foi devolvido ao dito religioso. Os tênues indícios jazem assim no chão desfeitos em pó. Mas, insensível a tudo isso, o Sr. José Carlos Dias persiste nas suas suspeitas. Saberá ele o que é o pecado de juízo temerário? E que esse pecado tem uma agravante enorme quando o juízo temerário é divulgado por duas vezes no jornal de maior circulação de São Paulo, isto é, precisamente na cidade de maior população do Brasil? Prefiro admitir que o Sr. José Carlos Dias não o saiba. Pois do contrário eu recearia cometer pecado de juízo temerário duvidando de que esse cidadão (presumivelmente católico praticante) não se confesse... ou se confesse mal. * * * Mas esta minha conversa não é com o Sr. José Carlos Dias. É com o público que ele assim procurou intoxicar contra a TFP, no momento preciso em que esta lançava, acerca das Comunidades Eclesiais de Base, um verdadeiro livro-bomba. Incruento como todo livro, devastador como toda bomba. No largo público da "Folha", há por certo muitos católicos não praticantes. Outros tantos católicos ignorantes. E uma porcentagem indefinida de pessoas que, com ou sem a máscara de católicos, de fato não o são. Querem saber todos estes o que é um juízo temerário? Mais do que uma definição abstrata, dou-lhes um exemplo. As CEBs são organismos ligadíssimos às Comissões diocesanas ou arquidiocesanas de Justiça e Paz. Imaginem agora que, baseado nisso, eu conjeturasse que o Sr. José Carlos Dias, movido por má fé, se tivesse posto a lançar suspeitas contra a TFP. Suspeitas que ele saberia afrontosas e absurdas. E isto só para acobertar as CEBs contra um livro que nem a dita Comissão de Justiça e Paz, nem elas – as CEBs – ousam refutar. Seria a calúnia fazendo as vezes da argumentação leal, difundindo-se pelas mil vozes do 4º Poder, e depois do 5º Poder. Do simples fato de que as CEBs, a Comissão de Justiça e Paz e o próprio Sr. José Carlos Dias, que assim aparece na ribalta do sensacionalismo, tiram vantagem dessas falsificações, devo deduzir a afirmação, ou publicar a suspeita de que é movido por esses sentimentos e interesses que o Sr. José Carlos Dias difunde contra a TFP suas suposições absurdas, as quais, obliterado pela paixão, ele saberia falsas mas imaginaria verossímeis? – Não. Com efeito, ignoro tudo, absolutamente tudo acerca do Sr. José Carlos Dias, até o momento em que tive conhecimento de que ele fora nomeado presidente da Comissão Justiça e Paz. Ele é uma criatura humana, uma pessoa batizada na Santa Igreja Católica, um cristão, em relação ao qual tenho sentimentos de justiça e amor, e não a injustiça e o desamor inerentes ao juízo temerário. Sem me informar sobre antecedentes dele, como poderia eu difundir tal suspeita? Ora, os antecedentes da TFP, o Sr. José Carlos Dias os conhece, pela simplíssima razão de que os conhece o Brasil inteiro, o Ocidente inteiro (cfr. "Meio século de epopéia anticomunista", Editora Vera Cruz, São Paulo, 4ª ed., 1981, 472 pp.). Mais. O mundo inteiro. Em razão de sua Mensagem antisocialista, até das Ilhas Fiji, das Ilhas Christmas, da Nova Zelândia, Nova Caledônia, Paquistão, Tailândia, Nepal, Tunísia, Camarões, Bofutatswana, vêm recebendo as treze TFPs cartas de simpatia. Talvez mais ainda do que tudo isso, fala a favor da TFP o mutismo crônico de seus adversários, os quais a nenhum dos seus livros têm ousado opor algo que tenha forma ou figura de argumentação. Imagina o Sr. José Carlos Dias – o qual, visto nessa perspectiva, melhor figuraria como presidente de uma Comissão de Injustiça e Agressão, do que de Justiça e Paz – que adianta de algo à TFP jogar um jornalzinho ou uns panfletinhos falsificados contra o 5º Poder, que, além de suas próprias tubas, dispõe das do 4º Poder, para os desmentir caudalosamente, torrencialmente, estrepitosamente pelo Brasil e pelo mundo afora? Oh, Sr. ex-presidente da Comissão Justiça e Paz! O leitor me perguntará como explico então o papel deste último. Não sei; nem me cabe explicá-lo. Trato mesmo de tudo isto precisamente para dizer ao leitor que, se eu o explicasse por uma hipótese carente de base, cometeria pecado de juízo temerário. * * * Querem os leitores mais um exemplo de juízo temerário? O pe. Charbonneau escreveu sexta-feira última, na seção Tendências/Debates da "Folha", um artigo tão brutalmente agressivo contra a veneranda pessoa do Sr. Bispo D. Antônio de Castro Mayer e contra a TFP, que eu me ponho a perguntar o porquê dessa agressão, desse xingatório tão vazio de doutrina, lançado entretanto contra nós a título de divergência doutrinária. Imagine o leitor que me viesse à mente a suspeita de que esse xingatório foi feito para, depois, alguns esquerdistas simularem um inócuo atentado contra o padre, e daí sair outro estrondo publicitário contra a TFP. Tudo seria então comédia, com o fim de circunscrever a devastação de nosso livro-bomba. Imagine ainda o leitor que eu fosse a Brasília (desacompanhado do Sr. bispo D. Luciano Mendes de Almeida, que para este efeito nunca dos nuncas viajaria comigo) despejar a suspeita nos ilustres ouvidos do Sr. Presidente da República e do Sr. Ministro da Justiça. Seria um pecado de juízo temerário. Estou certo de que concordam com isso o Sr. D. Luciano Mendes, que por certo sabe o que é um juízo temerário. E o Sr. José Carlos Dias, acerca do qual me parece mais equitativo supor que não sabe o que é juízo temerário. É o que, como presidente do Conselho Nacional da TFP, precisava dizer. * * * Encerro pois o comentário. Não o faço contudo sem registrar antes quanto aprecio a coerência da "Folha de S. Paulo" em seu liberalismo (com o qual não concordo), em publicar hoje este artigo, como, há cerca de quinze anos, minhas colaborações tantas vezes discrepantes do sentido geral das demais. Com isto só aumenta em mim a conta em que tenho a inteligência excepcionalmente lúcida, ágil e elegante que a orienta. E não só em mim – seria pouco – mas em toda a família de almas das treze TFPs, e de seus simpatizantes por este mundo afora. Nota deste site: O próprio D. Paulo Evaristo Arns inocentou lealmente a TFP, tendo declarado: "Não quero culpar ninguém sem provas. A TFP sempre teve a coragem de apresentar seus documentos assinados e, por isso, eu sempre respeitei essa organização" ("Folha de S. Paulo", 25-8-82). |