Plinio Corrêa de Oliveira

 

 

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 "Folha de S. Paulo"

 

 

 

 

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15 de abril de 1982

Jeito, trejeito ou estertor

Com inteira precisão, demonstraram as treze TFPs, em sua recente Mensagem sobre o socialismo autogestionário francês, que este serve – "volens, nolens" - ao imperialismo ideológico mundial vermelho. A autogestão não é uma barreira ao comunismo. É, isto sim, uma rampa de acesso rumo a ele.

De há tempo, o proselitismo doutrinário comunista às escâncaras não rende mais. O Ocidente o rejeita. Ele é como um tumor circunscrito, que não consegue aumentar a sua área no organismo. Assim, só restava ao socialismo avançar camuflado. Ora, de 1945 para cá, ele tem ensaiado sucessivamente muitas camuflagens. Cada uma dessas ilude, durante algum tempo de uso, um número ponderável de inocentes úteis. Mas depois se vai desmascarando e perde seu poder de atração. E assim o comunismo é obrigado a trocá-la por outra; se ele quiser continuar a avançar às ocultas.

* * *

Remonto até os idos pouco saudosos do segundo pós-guerra: "mão estendida", coexistência pacífica, queda das barreiras ideológicas, détente, eurocomunismo, comunismo de face humana, expansionismo "missionário" dos direitos humanos, tudo isto tem uma continuidade evidente. Para usar uma imagem culinária, um fio condutor interno percorre todos esses "slogans", como um espeto perfura os vários pedaços de carne, tomate, toucinho e cebola. Se o prosaísmo da imagem choca o leitor, eu lhe ofereço outra mais poética, mas por isto mesmo menos cabível, em se tratando de socialismo e comunismo: como o fio passa pelas várias pérolas de um colar. Essa continuidade consiste na benevolência e no espírito de colaboração com o comunismo e na execração, oh quão inexorável e meticulosa, de tudo quanto seja anticomunismo. Pois tal é a característica comum a todas estas camuflagens. Ora, quando se tem benevolência ilimitada para com alguém e se é adversário irredutível de todos que fazem oposição a esse alguém, o que se é? O aliado discreto e eficaz desse mesmo alguém.

A autogestão – demonstrou-o a Mensagem das TFPs – não é senão o último pedaço de carne do espeto. Ou a mais recente pérola do colar. Sem camuflagem, o imperialismo comunista não caminhará no mundo. A opinião pública francesa, fortemente alertada, percebeu que a autogestão não é senão camuflagem e a rejeitou nas últimas eleições cantonais. Por sua vez, a rejeição da camuflagem autogestionária, na própria terra que lhe servia de foco de irradiação, enregelou e pôs de sobreaviso todas as áreas da opinião mundial que, logo depois dos êxitos socialo-comunistas de 81, vinham se deixando contaminar por ela. Essa contaminação caminhava despreocupada. O primeiro documento com publicidade internacional que contra ela se ergueu – a Mensagem das TFPs – saiu a lume quando ainda os tenores e as primadonas de esquerda entoavam, por toda parte, a ária da autogestão. Eles – e elas – diminuíram um tanto o volume de voz porque, mais sutis do que Mitterrand e sua equipe, sentiram que no público havia gente que não os ia acompanhando. Agora, com o insucesso e o brado de alerta da França, a autogestão está congelada no mundo.

Como avançará então o comunismo? Cada vez mais só, como talvez o façam os socialo-comunistas franceses, ou lançará outra camuflagem? Porém, não sentirão os comunistas que o público está vendo que tudo isto não passa de camuflagem? Não percebem eles que o Ocidente inteiro os rejeita? O insucesso eleitoral estrepitoso sofrido nos últimos dias pelo socialismo alemão, nas eleições da Baixa Saxônia, não lhes dissipará as ilusões obstinadas que a derrota na França talvez ainda neles haja deixado de pé?

Observemos com toda atenção qual será o jeito ou o trejeito dos socialistas e comunistas, no decurso das próximas semanas, tanto na França quanto na Alemanha. E saberemos de antemão qual o jeito, o trejeito... ou o estertor com que tomarão atitude em breve, para "superar" os efeitos da derrota.

* * *

Não é o momento de fazer prognósticos a tal respeito. Porém, realmente é difícil ver que saída restará ao imperialismo ideológico de Moscou, uma vez desprestigiada a camuflagem autogestionária.

Se Mitterrand continuar no caminho dos confiscos, não só levantará contra si – como fiz notar em meu último artigo – a maioria cada vez mais compacta e mais indignada dos franceses, como ainda dará implicitamente razão à denúncia que as treze TFPs foram as primeiras a fazer à opinião mundial posta em profundo letargo até aquele momento.

É bem certo que, antes da Mensagem, já vozes de descontentamento se faziam ouvir na França. Mas eram vozes de franceses, que falavam para o público especificamente francês, acerca de aspectos circunstanciais e essencialmente locais da atuação governamental. Vozes, portanto, de limitado alcance, para premunir contra a autogestão, considerada em plano doutrinário e universal, a opinião pública de todo o Ocidente.

* * *

A confirmação da Mensagem pelos fatos poderia criar em torno dela a atmosfera que a catástrofe de Allende criou em torno do livro "Frei, o Kerensky chileno" de meu inesquecível Fábio Vidigal Xavier da Silveira.

Certamente, tal efeito reflexo, de um governo socialista de bravatas, seria coisa a que nenhum governo ou partido socialista do mundo haveria de ser indiferente.

Se não for de bravatas esse governo, será de catástrofe para o socialismo. Na França e no mundo. Pois a tanto equivaleria a degringolada do socialismo, da crista de onda em que se encontrava. Quanto maior a altura, tanto maior o tombo.

Recorrer a mais outra camuflagem é saída para o socialismo? Depois de tudo isto, será ainda possível camuflar?

A tal grau de cegueira, creio, a opinião mundial por enquanto ainda não caiu.


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