Plinio Corrêa de Oliveira

 

 

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 "Folha de S. Paulo"

 

 

 

 

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2 de abril de 1982

No itinerário de Allende?

Em meio a geral e "inexplicável" confusão de dados na imprensa francesa como em tantos jornais brasileiros, a vitória espetacular do bloco centro-direita sobre o bloco socialo-comunista, nas eleições cantonais da França, acabou por se tornar patente aos olhos do mundo.

Essa vitória produzirá seus efeitos em dois planos diversos.

Assim, de um lado, ela reforçará a oposição, a qual passará a contar, agora, não mais tão-só com a bancada minoritária do Parlamento, mas também com a maioria em 58 (num total de 95) conselhos gerais de Departamentos. Cumpre notar que, por iniciativa do próprio governo socialo-comunista (provavelmente esperançoso de uma vitória eleitoral), o poder desses conselhos fora ponderavelmente ampliado por lei recente... Acresce que essa tão grave derrota foi sofrida pela coligação das esquerdas quando esta, baseada nos sucessos de 1981, se imaginava sentada sobre um rochedo e "senhora dos ventos e das situações" (T.S. Eliot). E agora ela se vê apeada de sua situação por ventos que ela não soube prever nem dominar. Ora, tal derrota alterará forçosamente o estado dos espíritos nos comandos intermediários e nas bases partidárias, tanto socialistas quanto comunistas. E como não haveria de mudar, se à luz esplendorosa do êxito de 81 sucedeu, no ambiente interno do PS e do PCF, a luz mortiça – não muito diferente da de velório – da derrota de 82?

No ambiente assim irremediavelmente transformado, às altas cúpulas não adianta tentarem "sustentar a nota", subestimando a situação por meio da constatação do revés em termos sóbrios, e até fleumáticos. A luz mudou, e pelo fato de os donos da casa sorrirem e procurarem parecer animosos dentro da penumbra, não convencerão eles a terceiros que a penumbra pareça luz. A derrota iniludível imporá forçosamente um arrefecimento da força de impacto, dos dinamismos, das audácias, especialmente no PS. E, em consequência, um arrefecimento na ação do governo. A menos que as altas cúpulas do PS e do PCF queiram cometer, "ad intra" dos respectivos quadros, o mesmo erro que nestes dez meses de governo Mitterrand cometeram "ad extra", isto é, na conduta face a toda a nação.

Em outros termos, o governo vem caminhando com passo resoluto na linha da depredação da propriedade individual. E imaginou despreocupadamente que conduzia atrás de si, batendo-lhe palmas e dizendo-lhe sim, o mesmo eleitorado que nele votou em 81. Vêm as eleições cantonais, e o governo, surpreso, encontra diante de si a maioria da nação barrando-lhe o caminho e dizendo-lhe não. Não se facilita com a opinião pública. A repetição desse erro "ad intra" do PS e do PCF consistiria em que o governo resolvesse enfrentar a opinião pública, depredando sempre mais a propriedade individual e agravando assim o descontentamento da maioria. Os quadros médios e as bases dos dois partidos veriam engajado seu futuro político em uma aventura sem sentido. E que facilmente poderia levar ao imprevisível, pois tal é toda aventura. Até que ponto esses quadros e essas bases continuariam a caminhar atrás desse governo de aventureiros?

* * *

Isto é muitíssimo duvidoso, tanto mais quanto as treze TFPs deixaram demonstrado, preto sobre o branco, em sua recente Mensagem "O socialismo autogestionário: em vista do comunismo, barreira ou cabeça-de-ponte?", que os resultados eleitorais de 81 se deveram não a um específico aumento dos votos da esquerda, mas ao "glissement" – quero evitar a palavra portuguesa derrapagem – de um contingente eleitoral calculado pela revista "Informations Catholiques Internationales" em 25% do católicos praticantes. E à abstenção eleitoral, compactamente burguesa, de 29,67% dos eleitores. Ora, nas recentes eleições cantonais se tornou patente que estes setores da opinião escaparam parcialmente das mãos da esquerda. A burguesia compareceu muito mais do que costumava fazer em anteriores eleições cantonais. E tudo faz crer que a maioria do centro e da direita se deveu menos a uma diminuição dos quadros socialista e comunista, do que aos contingentes eleitorais católicos flutuantes, já agora alertados, que recusaram novo "glissement".

Estas observações merecem análise especial em um ponto. Os artífices do "glissement" de 1981 participaram festivamente do coro laudatório da vitória socialo-comunista. Mas já algum tempo antes das eleições cantonais haviam emudecido. O episcopado francês, que comanda a "esquerda católica" mais arrojada da Europa, calou-se. Não se falava mais desta. Superando de longe seus amigos socialo-comunistas, ela parece ter percebido o erro em que estes caíam. E emudeceu. Como muda, mutíssima está agora, depois do revés. Ela prefere, provavelmente, reservar suas forças intactas para investidas mais sutis e mais viáveis que venham a ser feitas de futuro contra toda e qualquer desigualdade sócio-econômica, e portanto contra a propriedade individual.

Em consequência de quanto foi dito, se o governo e as altas cúpulas socialo-comunistas resolverem assim mesmo avançar, ficarão cada vez mais isoladas de seus próprios quadros. Isto é, cada vez com menos amigos à retaguarda e mais adversários diante de si. Será a marcha para o abismo. O itinerário de Allende.

Devíamos passar agora para o segundo plano. Isto é, o da repercussão dessa derrota na opinião pública internacional. Mas isto fica para o próximo artigo.


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