Plinio Corrêa de Oliveira
Artigos na "Folha de S. Paulo"
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23 de fevereiro de 1981 A Água, o Fogo e a Flor Interesso-me a fundo pelo caso polonês. E, a meu ver, o mesmo deve fazer o leitor. É bem verdade que, por múltiplas razões religiosas, históricas, étnicas e geográficas, de per si a Polônia merece de todos os católicos respeito e afeto especiais. E, portanto, os acontecimentos nela ocorridos devem atrair a atenção de todos nós. Porém, nos presentes dias convergem para tanto razões de monta ainda maior. Os acontecimentos da Polônia estão constituídos para o mundo em sinal do futuro. Se lá tiver êxito o relacionamento "sui generis" - que um órgão de imprensa denominou o "triângulo polonês" - entre o governo de Varsóvia, o episcopado e a coligação de organizações operárias rotulada "Solidariedade", então há algo de mudado no comunismo. Ou na Igreja... E portanto no mundo. Algo, sim, que até certo tempo era firmemente tido como imutável. A que título afirmo isto? Talvez venha ao caso uma metáfora. Imagine-se que um homem anuncie ter encontrado o meio de despejar água (sim, autêntica água) sobre fogo (sim, autêntico fogo), sem qualquer alteração para este ou aquela. Imagine-se, ademais, que ele se disponha a efetuar experiências públicas a respeito. As autoridades interrompem então o trânsito do viaduto do Chá. Os curiosos lotam todo o vale do Anhangabaú. Realiza-se a experiência, e em condições de autenticidade que parecem indiscutíveis. De fato, grandes doses de água derramadas sobre o fogo molham desconcertantemente os carvões da imensa fogueira, sem que esta se apague. Elas escorrem depois sobre o calçamento, e gotejam por fim viaduto abaixo, nos espectadores entretidos, encantados, entusiasmados. Alguns deles, porém, estão silenciosos. Não comentam. Não sorriem. Não aplaudem. Fazem algo de muito mais lúcido. Desconfiam. Sim, desconfiam. Pois se verdadeiramente a água não apaga mais o fogo, é preciso mudar tudo na física. E, portanto, na vida dos homens, como em todo o universo. Ou então a água continua ainda a apagar o fogo – mas então a arte do embuste chegou a um auge inimaginável. E hoje se terá tornado tão praticável enganar multidões inteiras quanto o era outrora a certos charlatães de feiras de diversões, que fascinavam magotes de ingênuos. Ora, se a tal ponto chegou a arte de iludir, mais uma vez... é preciso mudar tudo. A Polônia é, em nossos dias, como que um imenso viaduto do Chá, no qual, por artes e magias do comunismo internacional, os fatos parecem dizer ao mundo que a água não apaga mais o fogo. Que o comunismo não é mais inimigo da religião. Que podem colaborar sem se entre destruírem. Mais ainda. Que da água e do fogo nascem mescladas à maneira de síntese, e baixam sobre o povo, lindas flores: a convergência, a paz, a sociedade do mundo de amanhã, e outras utopias mais. Vejo no mundo inteiro gente que, à vista disto, sorri, baila e canta. De minha parte, sou dos que ficam quietos, e desconfiam. Tudo mudou? No que tem de autêntico e de infalível, jamais mudou, não muda, e nunca jamais mudará a Santa Igreja Católica. O que mudou então? No campo de experiência, isto é, na Polônia, ou mais exatamente no vértice do tal "triângulo polonês" está – já que o vértice é a posição natural de um governo – o governo de Varsóvia. Ou seja, está um governo oficialmente comunista, do qual, portanto, se deve suspeitar muito – para dizer muito pouco – de que é um fantoche do Kremlin. Sim, desse Kremlin que é o antro onde, há décadas, se vem estudando, planejando, dirigindo e levando à vitória a mais inimaginável das guerras... com o mais fabuloso dos êxitos. Refiro-me à guerra psicológica revolucionária, toda ela feita de ardis, embustes e teatralizações geniais, mediante as quais a Rússia foi atirando ao chão e calcando aos pés numerosas nações, senhoras de extensíssimas vastidões, e vem pondo de cócoras, ou de joelhos, homens de governo, políticos e "executivos" das mais poderosas nações. Em síntese, a guerra psicológica revolucionária é uma psicoprestidigitação fabulosa. Pobre Ali Babá, pobre Aladim, pobre lanterna mágica. Como tudo isto fica pequeno em confronto com ela. Ora, vejo precisamente no vértice do triângulo polonês o poder misterioso que promove essa guerra. Parece-me que na Polônia ele vai dirigindo os fatos ora com os passes mágicos do utopismo convergencialista, ora com os do pânico da guerra. Nessas condições, como posso não suspeitar que, tomando por argumento a experiência polonesa, o comunismo se prepara para bradar aos homens do século 20: "Vede, não me temais. Tudo mudou. Sou água mas já não apago a chama com minhas negações. Posso manter-me no poder sem o menor dano para vossas afirmações. Minhas trevas podem difundir-se sem prejuízo para vossa luz". Vejo nos mais variados países e nos mais diversos setores, homens doutos, ilustres, experientes, e com folhas de serviço importantes – sobre cujas intenções não posso pôr aqui a menor dúvida – que batem palmas a estas palavras do prestidigitador, lhe apertam a mão, e participam assim do festival de ingênuo pacifismo que a experiência polonesa vai suscitando. Apliquemos "el cuento". Segundo o noticiário geral, o governo de Varsóvia, o episcopado polonês e o movimento "Solidariedade" têm metas opostas. Porém não podem tentar derrubar-se, porque daí resultaria uma revolução. E desta adviria, por sua vez, uma invasão russa. Se não fosse a Rússia, os três seriam livres de brigar. Mas como aí está a Rússia, são obrigados a coexistir. Ou seja, a colaborar. Pois tal coexistência acarreta a colaboração. Em regime comunista, com leis comunistas e polícia comunista, o gato comunista, no vértice do triângulo, permite aos ratos que façam algumas estrepolias. Dá-lhes também umas taponas. E um pouquinho de queijo, Oh, muito pouquinho! E isto pode ir durando indefinidamente. Até que os ratos desmaiem... ou pior. A Rússia é o grande fator estranho à colaboração polonesa. É possível admitir, então, que não seja interessada nessa demonstração de que são compatíveis a água e o fogo? E de que daí brota uma linda flor, a qual a propaganda mostra ao mundo inteiro, e cujas sementes vai atirando aos quatro ventos? Oh, a flor... O modelo polonês... Oh! ooh! |