Plinio Corrêa de Oliveira
Artigos na "Folha de S. Paulo"
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O terrível genuíno e o temível balofo O dirigente sindical polonês Lech Walesa visitou João Paulo II no dia 16 de janeiro corrente. E recebeu honras de chefe de Estado. Assim, logo ao chegar, foi recebido a sós por João Paulo II em sua biblioteca privada. Em seguida tiveram acesso à sala a esposa e o padrasto de Walesa. E, por fim, todo o séquito dele. "João Paulo II quis reservar ao líder sindical polonês Lech Walesa... as honras que o protocolo Vaticano prescreve para os chefes de Estado, e que outrora eram reservadas aos soberanos do Sacro Império Romano. De fato, com a audiência de ontem, o papa Wojtyla deu a Walesa e ao sindicato "Solidariedade" uma verdadeira e genuína investidura, juntamente com a indicação de uma linha de comportamento, quando disse que o surgimento deste sindicato se enquadra no esforço das semanas do outono (na Polônia), que não foi voltado contra ninguém, mas foi e é voltado exclusivamente ao bem comum." É o que comenta entre desvanecido e ufano, o cotidiano de Roma "L’Unità" (16-1-81), órgão oficial do próprio Partido Comunista Italiano (PCI). Por que esta ufania? Por que esse desvanecimento com a "investidura’ dada a Walesa, isto é, ao líder de uma corrente que parece criar tantos obstáculos aos títeres que Moscou aboletou no governo de Varsóvia? Mistério. Mistério... Quanto é misterioso o Kremlin, desde os tempos sombrios de Ivã, o Terrível, até Leonid Brejnev, o Temido (por todos, exceto pelos heroicos afegãos). Falava eu do que se passou na biblioteca de João Paulo II. O ponto alto da visita de Walesa ao Sumo Pontífice veio em seguida. “L’Osservatore Romano" (16-1-81) narrou que, feitos os recebimentos na biblioteca, a audiência a Walesa prosseguiu "na Sala do Consistório, na presença de numerosos representantes da comunidade polonesa residente na Itália e de jornalistas de diversos jornais italianos e estrangeiros". Sim, na legendária Sala do Consistório, uma das mais célebres e suntuosas do Vaticano, a qual prolonga, em nossos dias, os esplendores do século 17, em que foi inaugurada. A sala conhecida no mundo inteiro porque nela os soberanos pontífices vêm reunindo o mais augusto dos senados, isto é, o Sagrado Colégio dos Cardeais. Realmente, não consigo imaginar que em nossos dias se pudesse fazer mais para prestigiar um mero particular. Dando à minha reflexão a entonação discreta, imposta pelo respeito, devo dizer que nem sequer imaginei ser possível fazer tanto. Mas, oh assunto matizado! Aqui mesmo cabe uma observação rica em significado psicológico, e em alcance. Máxime em se tratando – eu já o disse no artigo anterior – da Santa Sé, cuja diplomacia passa por ser, a justo título, a mais famosa do mundo. Na medida em que seja lícita a metáfora, digo que a audiência dada por João Paulo II é comparável a uma potente lâmpada acesa junto a Walesa. Mas, a esta lâmpada, o próprio jornal oficioso do Vaticano – de João Paulo II – circunda com um "abajur". Sabe-se que nos jornais atualizados (e não há menor dúvida de que ‘L’Osservatore Romano’ é um deles) cada título de notícia, mais ainda, cada palavra é cuidadosamente contada, medida e pesada. No escolher para uma notícia a página em que deve ser publicada, e inclusive o lugar adequado na página, podem entrar sutilezas sem fim. E muito objetivas, porque em matéria de propaganda tudo pesa. Ora, "L’Osservatore Romano" deu à visita de Walesa uma publicidade nada pequena. E nem poderia ser de outra maneira. Mas esta publicidade não tem as grandiloquências do órgão do PCI sobre o mesmo assunto. Assim: 1. Em "L’Osservatore Romano" do dia 16 figura, no alto da primeira página, à direita, uma notícia sobre a audiência de João Paulo II ilustrada com fotografia. Mas a notícia ocupa só três das sete colunas da página. Lado a lado, e também em três colunas, no alto da página, há outra notícia, e mais uma vez sobre outra audiência do Sumo Pontífice. Foi esta "aos participantes do primeiro Congresso para a Família da África e da Europa". Lado a lado, que temas desigualmente importantes igualados entretanto na mesma prateleira... Isto quanto à embalagem. 2. E agora quanto a substância. Enquanto o próprio fato do recebimento de Walesa e dos seus na Sala do Consistório de tal maneira coruscou na Polônia e no mundo, esta notícia em "L’Osservatore Romano" se apresenta bastante sóbria. Ela consiste principalmente na reprodução do texto do discurso pontifício em polonês e em italiano. Comparativamente com as referências bombásticas do jornal comunista à investidura dada a Walesa pelo pontífice, e ao cotejo entre Walesa e os imperadores do Sacro Império, quanto é sóbria a linguagem de "L’Osservatore Romano"! Para fato tão coruscante, por que tanta sobriedade (a qual o jornal repete no resto da notícia, na página dois)? De outro lado, por que a publicidade do PCI põe uma lente de aumento na coruscação que beneficiou Walesa? Enigma, mistério. Talvez não seja demais acrescentar, desconcerto. 3. Saudando João Paulo II, Walesa lhe pediu diretrizes: "Esperamos teus conselhos, e sempre te serviremos com fidelidade" (“Avvenire", porta-voz do episcopado italiano, 16-1-81). A esse pedido seguiu-se a alocução em que o Sumo Pontífice dá suas diretrizes a Walesa. Elas poderiam resumir-se no binômio destemor e moderação. Com uma discreta mas definida tônica sobre a moderação. Ficou assim patente que Walesa se propõe a agir segundo o rumo desejado por João Paulo II. E que este tem esperança na fidelidade do líder de "Solidariedade". Aqui está o próprio núcleo da troca de discursos, o qual confere sentido a tudo mais. Entretanto, "L’Osservatore"" não o deixa ver claramente, pela simples razão de que da saudação de Walesa reproduz apenas tópicos menos significativos. Por que foi omisso, precisamente neste ponto chave, o competentíssimo "L’Osservatore Romano"? Quanto ao jornal comunista "L’Unità", também não publica o pedido de diretrizes de Walesa, embora tal pedido contribua sensivelmente para caracterizar o que ele chama entusiasticamente de "investidura". Por que esta omissão? Mistérios. Ainda aqui, mistérios. E mais uma vez me vem ao espírito o confronto entre Ivã, o Terrível, e Leonid, o Temido. Entre a terribilidade louca e facinorosa do século 16, mas autêntica, e a terribilidade balofa, suspeita, meio real e meio folclórica, do velhaco e banal Temível do século 20. |