Plinio Corrêa de Oliveira

 

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 "Folha de S. Paulo"

 

 

 

 

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31 de dezembro de 1980

1981 e a pergunta polonesa

Nestes dias de mudança de ano, proponho-me tratar da situação na Polônia.

O tema é sugestivo. Pois no emaranhado das questões que ele contém, algumas talvez venham a ser chaves de muitos acontecimentos no ano que se inicia. Por exemplo, qual é bem precisamente o modelo sócio-econômico para o qual se volta a força-chave que são os descontentes poloneses? Consistiria esse modelo em um regime de minúsculas propriedades rurais, e em autogestão mais ou menos real das empresas industriais e comerciais pelos que nelas trabalham? É o que fazia entrever certa notícia de jornal que me veio ter às mãos...

Em qualquer caso, parece-me difícil que o modelo dos descontentes poloneses seja muito diferente disso. Pois, a não ser assim, tal modelo ou admitiria a média propriedade agrícola – pelo menos – e uma tal ou qual propriedade individual na empresa urbana, ou, no extremo oposto, se identificaria com o próprio comunismo.

Na primeira hipótese, não se vê como os descontentes poloneses poderiam conservar o rótulo comunista que ainda é o deles, e que não parecem dispostos a repudiar. Na segunda hipótese, não se vê que conteúdo programático tem o seu descontentamento.

Mas, se tal é o novo modelo polonês, não se percebe no que ele se diferencia do regime iugoslavo. E, portanto, não se vislumbra bem o que o modelo polonês tem de novo.

Sobretudo não se vê bem a razão das névoas em que ele é apresentado. Os noticiários sobre o caso polonês são colossais. Mas – tanto quanto eu saiba – omitem tratar a fundo o assunto. Ou seja, nada, ou quase nada, falam dos objetivos positivos dos descontentes.

Mas – objetará alguém – os movimentos populares, e tantos outros, são exatamente assim. Isto é, confusos em seu ponto de partida, vão se tornando mais precisos à medida que caminham. Por que exigir de Walesa e de seus companheiros de luta mais precisão do que esta?

Tal imprecisão inicial explicaria de fato o omisso dos noticiários. Porém, levantaria outra questão. Em muitos órgãos de publicidade, como também em vários setores ideológicos da opinião pública, nota-se uma enfática "torcida" em favor dos descontentes poloneses. Em uma primeira fase, João Paulo II parecia estar com eles contra o governo de Varsóvia. Depois pareceu estar do lado do governo... e de Walesa, contra eles. E agora parece voltar-se novamente para eles contra o governo. Em qualquer das situações, a "torcida" é pró Walesa.

A "torcida" deixa transparecer a convicção de muitos torcedores, de que teria chegado a hora da realização dos sonhos destes. Ou seja, do advento, na Polônia, de um regime essencialmente igualitário, liberal em matéria religiosa e política, e fortemente dirigista em matéria econômica. Tudo temperado com tais ou quais textos pontifícios destramente recortados de documentos de João XXIII e de seus sucessores. Tal regime realizaria as esperanças mais discretas e ao mesmo tempo mais enfáticas da extrema esquerda demo-cristã.

Só essa perspectiva explica os subentendidos alegres, as implicitudes festivas – a "torcida”, repito – de muita gente, em prol dos descontentes poloneses de Walesa.

Por mais que eu esteja em desacordo com os diversos matizes de demo-cristianismo, e notadamente com seus matizes mais esquerdistas, não nego que estes últimos incluem frequentemente pessoas de certa cultura e, sobretudo, muito bem informadas. Pessoas que não "torcem" movidas por mero capricho ou por fúteis divagações.

Daí me vir ao espírito uma pergunta: o que sabem elas, de preciso, sobre o descontentamento polonês, que as torna tão esperançosas? Como explicar que esse movimento, para o qual se pleiteia o direito de ainda ser impreciso, esteja despertando em setores ideologicamente muito precisos do Ocidente esperanças precisas?

É a pergunta cheia de perspectivas que deixo consignada a meus leitores nesta orla de Ano Novo. E lhes apresento votos amigos de que em 1981 Nossa Senhora os ajude.


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