Plinio Corrêa de Oliveira

 

 

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 "Folha de S. Paulo"

 

 

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7 de julho de 1979

Quem avisa amigo é

Tenho-me em conta, não de um centrista, mas de um homem de direita. "De extrema direita?” – perguntará açodadamente algum leitor de espírito preconcebido. Os esquerdistas, e também muitos centristas, não podem ouvir falar que alguém é de direita, sem imaginá-lo desde logo da extrema direita. Como, aliás, há simetricamente vários direitistas, e centristas, que não podem ouvir que alguém é de esquerda sem suspeitá-lo desde logo de ser pelo menos cripto-comunista. A este respeito, talvez se possa dizer até que o centrismo é cortado ao meio por um espigão. De um lado estão os centristas desconfiados em relação à direita, e propensos a uma colaboração com a esquerda. E, de outro lado, os centristas desconfiados da esquerda e tendentes a uma colaboração com a direita.

Não escrevo este artigo para polemizar com os esquerdistas, ou com os que habitam espiritualmente na zona do centro voltada para a esquerda. Na atual conjuntura, seria pura perda de tempo. Dirijo-me aqui, isto sim, aos centristas voltados para a direita. Também não para polemizar com eles. Mas, pelo contrário, para lhes oferecer um aviso desinteressado e amigo.

"Desinteressado"? – Sim no sentido de que neste gesto não entra o menor interesse pessoal, mas tão-só o desejo de que haja no Brasil um centro coerente, e por isto mesmo influente junto à opinião pública. Pois em nosso povo, cuja imensa maioria é presentemente centrista por temperamento e convicção, um centro rijo e coerente pode constituir de imediato um dique possante contra o comunismo. Ora, a meu ver, esse dique está sofrendo uma inflexão provavelmente inadvertida, que o põe em contradição consigo mesmo. Desta só lhe pode resultar uma diminuição de densidade, e portanto de influência.

Explico-me. O centrista constrói suas concepções sobre a máxima de que o povo soberano tem o direito, a ciência e o poder necessários para decidir de todos os assuntos concernentes à coisa pública. O livre debate das opiniões é condição capital da soberania popular. Todos digam o que quiserem. E, no sufrágio, a maioria decidirá. Esse debate deve fazer-se a golpes de silogismos. Persuadirá a opinião pública quem tiver razão, e souber provar que a tem. Nessa perspectiva, não é legítimo nem coerente que se proíba a quem quer que seja o direito de "silogistizar" à vontade. O povo, juiz coerente e perspicaz, saberá, discernir quem está com a verdade. É por exemplo este o fundamento com que, no atual momento, se argumenta vitoriosamente em prol da abertura política.

Vejo porém que até entre os propulsores mais prestigiosos do processo de abertura, uma certa apreensão se delineia: uma vez solto, não irá o comunismo tomar conta do País? De onde, depois de se manifestarem a favor da abertura, conceituam a esta de um modo... fechado. O que constitui uma "contradictio in terminis". Dou um exemplo frisante. Numa folha que amiúde vem influenciando de modo decisivo a fixação dos rumos da nacionalidade, li o seguinte tópico: "O País mergulha dia a dia em crise econômica, que pode vir a ser social, e está a reclamar o desarmamento dos espíritos para que um grande projeto político possa ser construído no debate livre e franco de correntes doutrinariamente discordantes, mas substancialmente concordes em fazer do Brasil uma democracia digna deste nome" (o grifo é meu). Como se vê, a abertura se dá assim dentro de um círculo fechado – o democrático – fora do qual ninguém tem voz nem vez. É o contrário da democracia. À qual é inerente o reconhecimento do direito de discordar dela.

Registro a contradição sem intuito de crítica. Por isto nem sequer cito a fonte de onde tirei o tópico sintomático. Acentuo apenas que este tópico veio a lume em arraial de "ultras" do centrismo, que muitos têm como o centro do centro. Como a crista do espigão – para usar minha metáfora de há pouco – a igual distância dos centristas propensos para a direita, e dos que são propensos para a esquerda. Que logo ali germine essa contradição: o fato é sintomático.

Aponto a contradição. Porém compreendo-a. Ela me parece nascida de uma incógnita que a vida moderna instalou no próprio âmago da realidade política, e portanto das problemáticas centristas.

Nas concepções centristas, a lógica e a dialética são condições fundamentais do debate, o qual é, por sua vez, a respiração da democracia. Ora, um morbus pútrido vem criando um crescente risco de total degenerescência do debate democrático. É a guerra psicológica revolucionária.

Com efeito, esta última é antilógica por essência. Ela consiste num feixe de processos subdolos para furtar mentalidades de indivíduos, como de grupos sociais ou de multidões. Não por sofismas, que a lógica pode pinçar e destruir. Mas por todo um jogo de impressões, de pressões, de contrapressões, de pânicos, de quimeras, de ambigüidades, de excitações e de apatias adrede fabricadas etc. Tal jogo se opera o mais das vezes nos subconscientes. E leva as vítimas a atitudes absurdas. Um dos grandes beneficiários do aludido jogo está sendo o aiatolá Khomeini. Faz ele as coisas mais espantosas sem despertar no público mundial sequer o décimo da indignação que normalmente lhe valeriam. Ignoro quem manipula assim em favor dele a opinião. De qualquer modo, reações de opinião contraditórias como esta, as produz em cadeia a guerra psicológica revolucionária. E, bem entendido, desse malabarismo se serve largamente a Rússia. Daí, por exemplo, a apatia com que o mundo viu a Munique que foi o acordo Salt 2. Desencadeado esse poder alógico, do que vale a lógica do debate democrático? O que resta então de autenticidade à democracia?

Compreendo que, num movimento instintivo de autodefesa, o centrismo democrático tenda a resguardar-se expulsando do debate quem não seja centrista. Mas ele parece não perceber que se precipita assim numa contradição flagrante.

Para salvar o centrismo do perigo, devem os seus mentores, intelectuais e políticos, enfrentar e resolver o seguinte problema: como imunizar o público contra a gangrena da guerra psicológica revolucionária? Como preservar a capacidade dos homens se reunirem para discutir logicamente seus problemas, como preservar a opinião pública – dizia – dos mil truques, das mandingas incontáveis, dos bruxedos sem fim, desse inimigo que, à maneira de um gás asfixiante, invade sem impactar, vence sem terçar armas, e despreza a investida da lógica como um tanque moderno desprezaria a garbosa mas vã arremetida de uma biga romana? Este é o grande problema que cabe ao centro resolver a fundo. E não com meros paliativos.

Quem avisa, amigo é. Aos meus amigos do centro, com os quais desejo colaborar contra a investida da guerra psicológica revolucionária, deixo aqui este aviso cordial, mas carregado de preocupação.

* * *

Sumário

Por temperamento e convicção, a maioria de nosso povo é presentemente centrista. Assim, a existência de um centro rijo e coerente pode constituir, no Brasil, um dique possante contra o comunismo.

Ora, esse dique está sofrendo uma inflexão, que o põe em contradição consigo mesmo: diante da apreensão de que, uma vez solto, o comunismo possa tomar conta do País, muitos, depois de se manifestarem a favor da abertura, conceituam a esta... de um modo fechado!

Assim, a abertura se daria dentro de um círculo fechado – o democrático – fora do qual ninguém tem voz nem vez. E isto é o contrário da democracia, à qual é inerente o direito de discordar dela.

Essa contradição parece resultar de uma incógnita que a vida moderna instalou no próprio âmago da realidade política: a guerra psicológica revolucionária.

Cabe ao centrismo resolver a fundo esse problema, e não com meros paliativos.