Plinio Corrêa de Oliveira
Artigos na "Folha de S. Paulo"
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7 de abril de 1979 A mensagem de Puebla - notas e comentários – II Na mensagem que dirigiu aos bispos, na abertura da Conferência do Celam em Puebla, João Paulo II nos dá a razão da mudança que se operou na Igreja – conforme descrevi no artigo anterior – e da qual resulta que uma impressionante parte dos bispos e dos padres não parecem mais voltados para a finalidade eterna de sua missão e sim, exclusivamente, para a vida terrena. Em tópico subordinado ao título "Verdade sobre Jesus Cristo", o pontífice mostra que na raiz dessa mudança está um erro doutrinário gerado por "releituras do Evangelho" ("releitura" é o termo moderno e faceiro com que certos teólogos se referem a reinterpretação). Essas "releituras" são o "resultado de especulações teóricas, mais do que de autêntica meditação da palavra de Deus", e causam grave dano às almas (os tópicos aqui por diante citados entre aspas são sempre do texto da mensagem). A que conduzem tais "releituras"? O pontífice o enumera: "Em alguns casos, ou se silencia a divindade de Cristo, ou se incorre de fato em formas de interpretação conflitantes com a Fé da Igreja". Conflitantes no que? João Paulo II prossegue: para os interpretadores, "Cristo seria apenas um "profeta", um anunciador do Reino e do amor de Deus, porém não o verdadeiro Filho de Deus, nem seria portanto o centro e o objeto da própria mensagem evangélica". Como bem vê o leitor, em matéria de fé católica, essas negações eqüivalem a uma bomba de hidrogênio. Pois a que fica reduzida a Igreja de Jesus Cristo, sem Jesus Cristo Homem-Deus? Como é óbvio, esquecida ou negada a divindade de Jesus Cristo, a finalidade extraterrena da Igreja, tão assinalada na era constantiniana e pré-conciliar, desaparece. Nasce daí uma outra seqüela de erros. Se a Igreja não forma mais as almas para o Céu, todos os ensinamentos e atividades que Ela punha em primeiro plano na era constantiniana desaparecem, cedendo inteiramente o lugar – ou quase tanto – ao que para Ela era "secundário", ou seja a doutrinação e a ação sociais. Esta inovação está em conexão íntima com a "releitura evangélica" dos inovadores que, como diz João Paulo II, pretendem "mostrar Jesus como comprometido politicamente, como um lutador contra a dominação romana e contra os poderes, e, inclusive, implicado na luta de classes". Como causa da morte de Jesus Cristo, os referidos "releitores" alegam "o desenlace de um conflito político" e calam "a vontade de entrega do Senhor, e ainda a consciência de sua missão redentora". A tal respeito ensina João Paulo II o que "esta concepção de Cristo como político, revolucionário, como o subversivo de Nazaré, não se compagina com a catequese da Igreja". Como se vê, tais erros dificilmente poderiam ser mais radicais e mais graves. Onde circulam eles? Por exemplo, na América Latina. O que leva João Paulo II a esta advertência categórica: "A evangelização no presente e no futuro da América Latina não pode cessar de afirmar a Fé da Igreja". E a observar mais adiante: "Na ampla documentação com que preparastes esta Conferência, em particular nas contribuições de numerosas Igrejas, percebe-se às vezes certo mal-estar relacionado com a própria interpretação da natureza da missão da Igreja. Alude-se, por exemplo, à separação que alguns estabelecem entre Igreja e Reino de Deus. Este, esvaziado de seu conteúdo total, é entendido em sentido mais bem secularista: não se chegaria ao Reino pela Fé e pela pertencença à Igreja, mas pela simples mudança estrutural e pelo compromisso sócio-político. Onde há um certo tipo de compromisso e de práxis pela justiça, ali estaria já presente o Reino. Esquece-se deste modo que "a Igreja (...) recebe a missão de anunciar o Reino de Cristo e de Deus, e instaurá-lo em todos os povos, e constitui na terra o germe e o princípio desse Reino" (L.G., n. 77). E, posto que é mister pregar a verdade sobre Jesus Cristo, cumpre fazer o mesmo quanto à missão da Igreja. Pois, como já foi dito, já que Cristo é Deus, essa missão é antes de tudo extraterrena. O pontífice atrai assim a atenção dos bispos para o fato de que, "mestres da Verdade, espera-se de Vós que proclameis sem cessar, e com especial vigor nesta ocasião, a verdade sobre a missão da Igreja, objeto do Credo que professamos, e campo imprescindível e fundamental de nossa fidelidade". A extensão deste artigo e do anterior convida a que, antes de ir adiante, eu condense rapidamente o que venho dizendo: a) mostrei de início todo o peso do continente ibero-americano nos assuntos eclesiásticos do mundo hodierno. E, ipso facto, também nos do mundo temporal; b) acentuei assim o alcance relevante da reunião do Celam em Puebla, a qual congregou, para estudos e deliberações, representantes dos episcopados de todas as nações da América Latina; c) abordei em seguida as transformações por que tem passado, ultimamente a doutrinação de considerável número de eclesiásticos: da pregação de Jesus Cristo, Homem-Deus, fundador de uma Igreja com finalidade extraterrena, passarem para a omissão ou a negação de Jesus Cristo Homem-Deus, e consequentemente para a negação do fim extra-terreno da Igreja, cuja meta seria toda ela terrena. Da afirmação de Jesus Cristo como Homem-Deus decorre também a necessidade de formar para Ele, e para a vida eterna, cada alma. Em comparação com esta ação toda espiritual e individual, a observância dos preceitos divinos pelas sociedades temporais tem um papel "secundário", mas elevadíssimo. d) mostrei depois, com as necessárias citações, que o ensinamento de João Paulo II sobre essa importantíssima matéria é incompatível com os erros a respeito delas surgidos, e como o pontífice realça a gravidade de tais erros, e lamenta a difusão que têm encontrado na América Latina. Como ponta de trilho para o próximo comentário, deixo aqui lembrados os textos em que João Paulo II mostra que os propugnadores de uma Igreja meramente terrena têm uma peculiar noção sobre Jesus Cristo, "não o verdadeiro Filho de Deus", mas um "profeta", um "anunciador do Reino e do amor de Deus", e mais precisamente um profeta e anunciador de um reino que por sua vez tem peculiaridades: é um líder político em revolta contra a dominação romana, um "revolucionário" envolvido na "luta de classes", é, em suma, o "subversivo de Nazaré". Como se vê, aqui também "um abismo atrai outro abismo" (Salmo 41,8), e quem nega Jesus Cristo como Homem-Deus, e O confina no mero campo temporal, Lhe atribui, até neste campo, uma missão diametralmente oposta aos específicos efeitos terrenos de sua missão sobrenatural. Sumário "Teologia da libertação", "engajamento político", "reformas de estrutura" são expressões cada vez mais freqüentes em lábios de eclesiásticos latino-americanos, para perplexidade de um número crescente de fiéis. Em Puebla, João Paulo II acaba de condenar os eclesiásticos que, reinterpretando o Evangelho, apresentam Nosso Senhor Jesus Cristo não como o verdadeiro Filho de Deus, mas como um líder político em revolta contra a dominação romana, um "revolucionário" envolvido na "luta de classes", em suma, como o "subversivo de Nazaré". |