"Folha de S. Paulo", 27 de outubro de 1974

Não, para Cuba

A meu ver, o assunto mais interessante da semana foi indiscutivelmente o desfecho surpreendente do Sínodo dos Bispos, realizado em Roma. Tal foi a divisão entre os componentes da ilustre assembléia, que não conseguiram votar qualquer conclusão ou resolução concreta. A título de tênue véu sobre o malogro, distribuíram ao público uma mensagem entre tendenciosa e anódina. Mas ficou patente que os Prelados estão em fundo desacordo entre si, a propósito das incursões da ala episcopal esquerdista, nos assuntos sociais.

A respeito deste interessante e atualíssimo tema, as notícias dos jornais brasileiros ainda são incompletas, no momento em que escrevo. Assim, reservo-me para emitir qualquer juízo no próximo domingo

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Por hoje, quero tratar do artigo sobre o perigo comunista na América Latina, publicado no diário portenho "La Nación" pelo general López Aufranc, ex-chefe do Estado Maior do Exército argentino. Desconheço quais sejam, com toda a exatidão, as posições doutrinárias dele. Sem embargo, merece a peça a mais atenta análise de todos os brasileiros. E muito especialmente a de certos setores civis, cujos círculos dirigentes, influenciados a fundo pelos "sapos", ficam marcados em relação ao perigo comunista, por uma indolência permissivista vizinha da simpatia.

É de se presumir que as afirmações do militar argentino se baseiem não só no que ele observa, como em dados recolhidos nos altos meios militares, que formam o ambiente no qual ele naturalmente se move. Mas sobretudo elas se firmam em um quadro geral que está à vista de todos, mas que poucos têm a coragem de qualificar devidamente.

Tais tomadas de atitude continuam a surgir, de quando em vez, nos meios militares brasileiros. Refiro-me especialmente aos corajosos pronunciamentos do general Humberto de Souza Mello, mas também a outros; por exemplo, aos tópicos oportunos e substanciosos sobre a matéria, contidos no discurso proferido pelo general Antônio Bandeira, paraninfo do V Curso de Formação de Inspetor de Polícia Federal, da Academia Nacional de Polícia. Nos ambientes civis, porém, vozes de alarma como esta vão escasseando, a ponto de quase desaparecer.

Daí provém – insisto – a atualidade do documento do militar platino.

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Observa bem o general Aufranc, que – caído Allende – a Argentina se foi tornando o campo de agitação preferido dos comunistas para preparar, a prazo maior ou menor, a bolchevização, não só dessa nação, como de toda a América do Sul.

Esse objetivo – salienta o general – não é senão uma das partes do plano de imperialismo doutrinário, político e econômico que o marxismo-leninismo vai executando no mundo inteiro.

Não me cabe, como brasileiro, opinar sobre as medidas que Aufranc propõe para obviar o êxito desse plano em seu país. Seu brado de alerta há de ter sacudido energias adormecidas, que lá as deve haver como aqui. Em todo caso, já que reboou no Brasil – publicaram-no a "Folha de S. Paulo", bem como outros órgãos de imprensa – toca-me o dever de o utilizar para, na medida das possibilidades, sacudir o otimismo modorrento no qual o desenvolvimentismo à outrance adormeceu o País. Otimismo este que a apreensão diante da crise econômica ameaça transformar em pardacenta a resignada indolência ante a maré-montante dos problemas e dos perigos.

É o que aqui faço, lembrando a muitos patrícios descuidosos, que tratar o anticomunismo de velheira superada é abrir as portas do país para o imperialismo moscovita.

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Essas observações não significam, entretanto, que eu não tenha reservas quanto a alguns aspectos do artigo do general Aufranc. Especialmente me desconcerta seu silêncio ante o papel de Cuba na execução dessa vasta conjura que seu autor tão oportunamente denuncia. Ora, uma palavra a tal respeito seria indispensável no momento em que tantas chancelarias levam a cabo uma suprema ofensiva para introduzir a serpente fidelcastrista no pacífico convívio das nações americanas.

A tal respeito, seja-me dado comentar, de passagem – sem embargo de todo o apreço que tenho ao Itamaraty, e a satisfação com que acompanho certos lances brilhantes da atuação do chanceler Azeredo da Silveira – que a neutralidade de nosso País ante a suspensão do bloqueio contra Cuba me parece francamente decepcionante – Como podemos ser neutros em relação ao que não é neutro a nosso respeito e pelo contrário está pronto a executar entre nós as ordens de Moscou? Esta pergunta, tão simples, me parece bastar para por em realce tudo quanto há de pouco prudente em nossa neutralidade.

Votar para que se ponha dentro de casa quem não quer senão derramar sangue e implantar um regime de miséria e total antiordem, ou ser neutro ante a hipótese de que isto se passe, a mim me parece quase a mesma coisa.

E de toda a alma desejo, a bem da Civilização Cristã, do Brasil, e da preservação das glórias do Itamaraty, que nossa atitude neste caso acabe sendo a de uma recusa lúcida, límpida e corajosa.