"Folha de S. Paulo", 10 de setembro de 1970

Toda a verdade sobre as eleições no Chile

O profundo impacto causado na opinião pública do Brasil e de toda a América do Sul pelo resultado da recente eleição presidencial chilena torna indispensável uma análise serena e objetiva do que no país irmão acaba de ocorrer.

Tal análise, esperam-na da TFP os incontáveis brasileiros que se vêm habituando a receber dela — nas horas de incerteza e de dor — a palavra que esclarece, estimula e sugere uma solução. Assim, externo aqui o pensamento de nossa invicta entidade.

O primeiro ponto a tratar é o alcance das eleições do Chile como indício dos rumos ideológicos da opinião naquele país, bem como em toda a América do Sul.

Com efeito, vai ganhando terreno entre nós a impressão de que o comunismo registrou um grande avanço no Chile, avanço este que estaria a indicar uma profunda transformação na atitude até aqui anticomunista das massas latino-americanas. Em outros termos, a vitória do comunismo no Chile pressagiaria análoga vitória para ele em nosso País e nas demais nações irmãs.

Tal conclusão é de molde a desalentar toda ação anticomunista. E com isto só tem a ganhar o comunismo. Pois — segundo ensinava Clausewitz — vencer um adversário não importa necessariamente em esmagá-lo: por vezes basta tirar-lhe a vontade de lutar.

Assim, o mais urgente, para o esclarecimento da opinião brasileira consiste em tornar claro que o resultado do recente pleito chileno revela não um progresso, mas antes um retrocesso do marxismo no país amigo. Por mais que essa afirmação possa surpreender à primeira vista, funda-se ela em fatos e cifras incontestáveis. Estas últimas colhemo-las na fonte mais genuinamente "allendista" isto é, o diário comunista chileno "El Siglo" de 5 do corrente:

A) Em 1964, concorreram a disputa pela suprema magistratura dois candidatos, Eduardo Frei e Salvador Allende. O primeiro alcançou 1.409.012 votos, que constituíam 55,7% do eleitorado. O segundo obteve 977.902 votos, isto é, 38,7% do eleitorado.

Os votos dados a Frei provinham da coligação do PDC com dois outros partidos, o Conservador e o Liberal.

Allende — e este fato é capital — não era apoiado senão pelos comunistas, ou seja, pelo Partido Socialista (marxista), pelo Partidos comunista e por certos corpúsculos comunistas dissidentes. Assim, toda a votação de Allende era comunista, e toda a votação comunista era de Allende.

B) no pleito de 1970, pelo contrário Allende se apresentou como candidato de uma coligação. Ou seja, além dos votos comunistas acima referidos, Allende recebeu o apoio do Partido Radical e de uma dissidência do PDC (MAPU). Era, pois, de esperar, que o eleitorado de Allende tivesse crescido muito mais.

Ora, sucedeu precisamente o contrário. Ou seja, no último pleito, 36,3% dos votos (contra 38,7% da eleição anterior).

Daí se deduz que o contingente marxista minguou. Pois agora — mesmo somado a outras forças — ele alcançou menor porcentagem de votos do que em 1964.

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Mas, objetar-se-á, se é verdade que a porcentagem eleitoral dos contingentes marxistas decaiu, pode-se pelo menos dizer que o número dos marxistas cresceu no interior de outras correntes políticas. Pois, do contrário, elas não teriam apoiado Allende.

Infelizmente, nós brasileiros temos boas razões para saber que tal não é a verdade. Enxameiam aqui clérigos de passeata, políticos com "p" pequeno, intelectuais e intelectualóides sequiosos de publicidade, que não se fartam de repetir que os não comunistas, embora conservando-se escrupulosamente alheios ao marxismo, devem fazer frente única com os adeptos deste, para derrubar o que chamam a oligarquia ora dominante. Há 20 ou 30 anos que isto se diz e se repete no Brasil.

Ora, segundo observa Napoleão, a repetição é a melhor forma de retórica. A força de pregar a coexistência pacífica a "mão estendida", a colaboração com o marxismo, os cripto-comunistas, têm arrastado, em mais de um país para votar em candidatos comunistas, contingentes maiores ou menores de inocentes úteis, que não são comunistas.

"Há algo pior que o comunismo: é o anticomunismo", disse Frei. Sua lição frutificou. Das próprias fileiras do PDC, a que Frei pertence, uma apreciável força eleitoral se destacou para Allende. Quem semeia ventos colhe tempestades...

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Uma circunstância especial reforça este argumento em prol da tese de que boa parte da votação dada a Allende no último pleito não era constituída de comunistas.

Em 1964, a infiltração comunista no Clero chileno era bem menor. O Clero todo trabalhou então por Frei contra Allende.

Em 1970, essa infiltração assumiu proporções alarmantes. Agravando ainda a situação, o próprio Cardeal Silva Henriquez, Arcebispo de Santiago, declarou à imprensa ser inteiramente lícito a um católico — que por definição não é comunista — votar em candidatos marxistas (cf. Jornais "Última Hora" e "Clarín", de Santiago, de 24-12-69). Supondo tratar-se de um engano de imprensa, a TFP chilena escreveu ao Purpurado, pedindo-lhe um esclarecimento ou uma retificação. A resposta foi o silêncio.

Quem conhece o estofo dos nossos clérigos vermelhos, bem pode avaliar quantos votos de inocentes úteis os clérigos vermelhos do Chile — prestigiados e estimulados por fato tão propício a seus intentos — terão encaminhado para Allende.

Em conseqüência, não cresceu no Chile o número dos marxistas. Cresceu, isto sim, o número de inocentes-úteis que se deixam iludir pelo sonho de aproveitar o apoio marxista para a realização de certas reformas... sem chegar ao marxismo.

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Isto posto, convém passar a outra consideração.

O Brasil ficou vendo, no exemplo chileno, a suma nocividade dos grupos de pressão da chamada "Terceira Força", contra cuja atuação a TFP não tem cessado de alertar a opinião pública, em campanhas que hoje fazem parte da História. Entre essas campanhas merece no momento uma especial referência a difusão pelas vastidões de nosso imenso território, do livro "Frei, o Kerensky chileno" (Editora Vera Cruz, São Paulo, 1967), de autoria de um dos diretores da entidade o sr. Fábio Vidigal Xavier da Silveira.

Essa obra teve edições na Argentina e na Venezuela, e repercutiu intensamente na imprensa de toda a América latina. Escrita com uma notável lucidez de doutrina e de observação, provou, há 3 anos, que o resultado da atuação de Frei seria a vitória da minoria comunista.

Entre nós, os grupelhos cripto-comunistas e os "sapos" não gostaram. Aqui estão os resultados...

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Uma palavra sem nenhuma amargura, mas cheia de dor.

Em 1968, 120 mil chilenos uniram-se a 1.600.358 brasileiros, 280 mil argentinos e 40 mil uruguaios para pedir a Paulo VI medidas contra a infiltração comunista nos meios católicos.

O silêncio mais frio e completo seguiu-se à súplica entretanto filial, respeitosa, submissa, angustiada, ardente.

Nada se fez no Chile (para só falar dele) que pusesse cobro à onda.

A História registrará que essa omissão teve trágica importância no drama que está prestes a começar.

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Ou antes, no drama que já começou.

Enquanto, pelo menos até o momento, que saibamos, nenhum jornal católico oficial ou oficioso se ergueu para lamentar o escândalo do apoio de católicos ao comunismo no Chile, os jornais comunistas do mundo inteiro celebram a vitória de Allende como um triunfo do marxismo. E Fidel Castro procura desfazer com loas a Allende a impressão de derrota causada pelo seu discurso sobre o fracasso da safra açucareira cubana.

De sua parte, Allende, que alguns otimistas incorrigíveis apresentam como um moderado, já começou a marcha para a ilegalidade e portanto para a violência.

A vontade popular só se exprime em maiorias palpáveis, pois, como é óbvio, pequenas diferenças eleitorais podem ter causas tão irrelevantes e várias, que são inadequadas para manifestar as aspirações autênticas e profundas de um país. Considerando isto, a Constituição Chilena dispôs de um modo sábio que, em casos como o presente, cabe ao congresso escolher livremente o Presidente da República, entre os candidatos mais votados.

Ora, o comando da Unidade Popular — união eleitoral pró-Allende — dando um golpe de Estado branco, acaba de contestar ao Congresso essa atribuição legal, declarando pura e simplesmente que a vitória de seu candidato é irreversível. O que quer dizer que ele recorrerá ao golpe de Estado vermelho, se o Congresso não se dobrar ao golpe de Estado branco.

Allende teve 36,3% do eleitorado. Alessandri 34.9%. A diferença é irrisoriamente pequena. Qualquer questiúncula entre cabos eleitorais, qualquer episódio a-ideológico de aldeia ou subúrbio a pode ter ocasionado.

Baseado entretanto nessa minoria ínfima, nessa vitória de opereta, Allende já começou — em nome da democracia — a demolição do Congresso. Assim, anunciou ele o propósito de dissolver o Senado e a Câmara dos Deputados, instalando uma "Assembléia do Povo", a ser eleita com o Chile sob o tacão da bota comunista.

Ao mesmo tempo, já pediu a instituição de juizes eletivos. Ou seja, da barbárie. Pois num país em que os juizes são nomeados sem prova de saber notório, e trabalham sem as garantias da vitaliciedade, da inamovibilidade e da irredutibilidade das rendas, domina, não o direito nem a lei, mas a barbárie.

No Congresso, os votos dos deputados da DC decidirão se o Presidente será Allende ou Alessandri. Ou seja, se o Chile imergirá ou não na barbárie comunista.

Levará a DC a triste coerência de sua posição de Terceira Força até o extremo de optar pela barbárie?

A este respeito, há um suspense não só no Chile e na América, mas no mundo. Todos se perguntam até onde irá, neste episódio, a DC. E o que ainda podem temer desta os outros países em que há PDCs fortes.

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Voltamos novamente agora nosso olhar para Roma.

Uma só voz há no mundo, que pode prevenir este mal. É a voz augusta de Paulo VI.

Será que ainda agora ele se manterá silencioso, omitindo pronunciamento oficial, claro, previdente, forte, paterno, que mesmo à beira do abismo ainda poderá salvar tudo?

É com toda a alma que imploramos à Providência essa palavra salvadora...

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É de se prever que certas afirmações aqui contidas causem desagrado até protestos em alguns círculos, especialmente nos do chamado progressismo cristão.

A esses lembramos simplesmente que os fatos que alegamos são incontestes e incontestáveis...

Resta-nos pedir a Nossa Senhora do Carmo, Padroeira do Chile, que se condoa desse país, querido irmão do nosso. E abra os olhos dos brasileiros para a tremenda nocividade das correntes que se rotulam de a-comunistas, mas estendem a mão ao comunismo.