"Folha de S. Paulo", 26 de abril de 1970
Maio-1970: dois jovens rezam por você
Quando, na madrugada de 20 de junho do ano passado os terroristas estouraram uma bomba na sede da Presidência do Conselho Nacional da Sociedade Brasileira de Defesa da Tradição, Família e Propriedade, imaginavam estar vibrando um rude golpe nessa entidade. Na realidade, era precisamente o contrário que sucedia: a Providência se serviria do fato para abrir pouco depois — precisamente naquele local — um rio de graças.
Com efeito, entre os objetos mais danificados pelo atentado criminoso, estava uma imagem de Nossa Senhora da Conceição. Guardamo-la carinhosamente. E, concluída a restauração do edifício, nosso dedicado porteiro Manuel nos deu esta linda sugestão: fazer um oratório dando para a rua, no local preciso onde a bomba explodira, a fim de ali expor à veneração pública a imagem danificada. Com isto se repararia a ofensa feita à Virgem Mãe de Deus.
Atendendo ao apelo, decidi que a imagem fosse transportada em um desfile solene, de nossa sede da rua Pará para a da rua Martim Francisco, 669.
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Só quem freqüenta assiduamente a rua Martim Francisco, 669 pode formar uma idéia global do efeito benfazejo que a presença dessa imagem e desse oratório produz sobre a população.
Desde o ato inaugural do oratório — no dia 18 de novembro do ano passado — até hoje, a imagem tem estado continuamente florida. São rosas esplêndidas, são orquídeas de qualidade, são flores comuns, são até as modestas florinhas populares, a se acumularem dentro do oratório, — o mais das vezes — a transbordarem fora dele, marcando a rua com uma nota festiva. Nem uma só vez foram estas flores compradas pela TFP: são ofertas espontâneas de devotos da Senhora da Conceição.
Procedem tais ofertas, na maioria dos casos, de pessoas das redondezas. Mas algumas delas chegam de bem longe. Pois os devotos da imagem começam a estender-se pela enorme cidade. Um bilhete pedindo graças foi deixado junto ao oratório por uma senhora que informava residir na Liberdade. Lindas flores chegaram há dias, enviadas por uma floricultura do Paraíso. Um objeto perdido trazia o endereço de uma pessoa do Jardim América...
Nas horas mais diversas do dia e da noite, há pessoas que rezam diante do oratório. Assim, nas primeiras horas da manhã, passam rápidos os empregados de todo tipo, à demanda de seus locais de trabalho. Em frente ao oratório, alguns se detém para uma rápida prece. Outros, que não têm tempo de parar, se persignam e continuam seu caminho. Logo depois começam a passar, menos apressadas, as donas de casa, que vão para a missa ou para compras. Diante do oratório, numerosas são as que, por sua vez, se persignam, ou param e rezam. Aos poucos, a rua vai começando a se atravancar de automóveis. Passam carros particulares, taxis, caminhões e ônibus. É freqüente notar que, dentro deles há gente que faz o sinal da cruz: homens e mulheres, crianças, jovens e velhos, passageiros e "chauffeurs".
Pela calçada, a quantidade de pedestres cresce também, e se vai tornando heterogênea. Continuam numerosos os que se persignam de passagem. Mas vários outros se detém, às vezes demoradamente. Não raras vezes, fazem uma genuflexão até o chão. Ou mesmo se ajoelham, pura e simplesmente, em plena calçada, como se estivessem em uma igreja... Entre estes, não poucos jovens. E até algum "play-boy". De quando em quando, alguma pessoa entrega flores para agradecer ou pedir favores.
Com a entrada da noite, o movimento decresce. O oratório vai ficando isolado. Vão chegando suas horas mais belas e mais pungentes.
Se, durante o dia, a Virgem favoreceu os que passaram na luta pela vida, à noite Ela recebe com amor o triste desfile, que começa, das almas agoniadas, das almas solitárias... dos pecadores. São pessoas que, às horas mais tardias, saltam de um Volks ou de um Gordini, de um Karman-Ghia ou de um Impala, se recolhem um instante, e saem. Para onde vão? Para um repouso honesto? Talvez. Mas, muitas, as circunstâncias não permitem dúvidas: saem do pecado, ou vão para ele. Algumas soluçam, como um jovem melenudo, que de mãos postas e joelhos em terra exclamava: "Nossa Senhora, acertai minha vida". A Providência conduz esses noctâmbulos para junto daquela que sabe corrigir todos os vícios, perdoar todos os arrependidos, tocar todos os empedernidos, e consolar todos os aflitos. No meio desses lances de dor as ações de graças continuam. São carros em que vêm, muitas vezes, o esposo e a esposa, com algum filho, trazendo em ação de graças — mesmo tarde da noite — braçadas de flores. Ou até "corbeilles". E assim corre o tempo, até que a manhã traz novo desfile de outras esperanças, outras alegrias e outras aflições. Como, por exemplo, o de uma septuagenária, que em pleno dia e sem se incomodar com o bulício do trânsito, chorava junto ao oratório pedindo que Nossa Senhora a livrasse — não se chegou a ouvir bem — se de um desemprego ou um despejo.
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Blasfêmias, insultos? Também os há, mas raros.
Uma vez, por exemplo, um jovem enfurecido escarrou na parede em que está encaixado o oratório.
Outra vez, umas moças "proféticas" passaram protestando contra o desperdício de flores. — Judas fez análogo comentário quando viu Santa Maria Madalena, a ungir os pés divinos.
Certa pessoa acercou-se, do oratório onde tantos fiéis encontram as graças da Rainha do Céu, e perguntou sarcasticamente: "Que é isto? É macumba? — Era uma freira...
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De todos estes "flashes", a imagem que se desprende é a de uma grande cidade em que a graça esparge favores insignes, no qual a virtude resiste e vence as situações mais adversas... mas onde, também, tanto o pecado como a dor, em todas as suas formas, rondam campeiam, devastam.
Isto levou os admiráveis jovens da TFP a me fazerem um pedido. Estou certo de que tal pedido comoverá até o fundo da alma todos os leitores que ainda tenham na alma alguma profundidade.
Ocupados embora o dia inteiro com seus estudos, seus empregos, suas atividades em prol da Tradição, Família e Propriedade, sugeriram-me eles de se revezarem durante a noite uns aos outros, ao longo de todo o mês marial que se aproxima, rezando continuamente o rosário junto à imagem que os terroristas danificaram.
Por que intenções queriam eles fazer essas preces em horas tão heróicas? Por todos os que sofrem na imensa urbe, para que Nossa Senhora os console e ajude. Por todos os que lutam, vacilando entre a virtude e o pecado, por todos os que perseveram na virtude, para que Nossa Senhora lhes aumente a perseverança, para todos os que pecam, para que Nossa Senhora os preserve do desespero e os reconduza ao bem. Para todos os que agonizam, para que Nossa Senhora lhes sorria na hora extrema.
Aquiesci. — E como não haveria de aquiescer?
Entretanto, acrescentei a essas esplendidas intenções algumas outras: — pela Igreja, para que Nossa Senhora a livre do progressismo — pelo Brasil, para que Nossa Senhora o livre do comunismo — pelas pessoas visadas pelos terroristas, para que Nossa Senhora as ajude fortaleça e preserve — e pelos terroristas, para que Nossa Senhora lhes toque o coração e os converta.
Por fim, recomendei: rezem particularmente pelos terroristas que danificaram a sede e a imagem. Se nós, de todo o coração, os perdoamos, quanto mais os perdoa a Mãe de todas as misericórdias!
Saibam, pois, todos os que lerem este artigo, que, se em alguma noite deste maio próximo, sentirem necessidade do auxílio de uma prece cristãmente fraterna, naquela hora exata dois jovens — universitários, estudantes secundários, comerciários ou operários — estarão rezando para que tal auxílio lhes seja concedido.