Plinio Corrêa de Oliveira

 

A inércia das elites deu vitória a Brizola

 

 

 

 

 

 

 

 

 

"Última Hora", Rio de Janeiro, 3 de fevereiro de 1983

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P - A TFP não ergueu seus estandartes nas eleições de 15 de novembro passado. A que atribuir esse comportamento?

R - Até aqui a TFP jamais interveio diretamente em pugnas político-partidárias. Estas assumem em nosso País aspectos personalísticos, dos quais deve manter-se distante uma entidade principalmente doutrinária, como a nossa. E só circunstâncias muito especiais a determinariam a adotar outro modo de proceder.

Tais circunstâncias não existiram nas últimas eleições. Explico-me.

Habitualmente se reconhece que a TFP desempenhou papel saliente na preparação da Revolução de 64. Entretanto, ela não participou de nenhum conciliábulo, de nenhuma reunião preparatória. Não integrou nenhuma das comissões que promoveram as célebres "Marchas". Como agiu ela então?

Simplesmente editando e difundindo o best seller "Reforma Agrária – Questão de Consciência", que definiu, para incontáveis fazendeiros, a consciência religiosa de seus próprios direitos, e contribuiu de norte a sul do País a que recusassem os rumos socialistas que vinham sendo trilhados pela Nação.

Algo de análogo fez a TFP em 1981, quando publicou o livro "Sou católico: posso ser contra a Reforma Agrária?", do qual sou autor, com o distinto economista Carlos del Campo. Excelente tiragem: quatro edições, 29 mil exemplares em quinze meses. Acolhida geralmente amável. Mas enquanto em 1964 a classe agrícola tinha vontade de se defender, em 1981 muitos e até muitíssimos dentre seus elementos estavam profundamente desanimados, desarticulados e até obstinadamente desatentos ao perigo reformista.

Sobretudo notamos que muitas cúpulas de associações rurais estavam a léguas do problema, o que tinha por efeito orientar implicitamente no mesmo sentido grande parte dos seus associados.

Dois meses antes das últimas eleições, publiquei, com a valiosa colaboração dos Srs. Gustavo e Luiz Solimeo, o livro "As CEBs.... das quais muito se fala, pouco se conhece – A TFP as descreve como são". Na boca da urna, um brado de alerta para o empresariado urbano. Igualmente ótima tiragem: três edições, 22 mil exemplares em quatro meses. Mas as disposições que nos alarmou notar em tantos fazendeiros ainda se mostraram mais vincadas em largos setores do empresariado urbano médio-alto, e alto.

Nessas condições psicológicas, não adiantaria lutarmos contra as reformas, no terreno eleitoral. A TFP, graças a Deus, tem podido fazer muito pelo Brasil. Nem ela, nem ninguém consegue levar à vitória classes poderosas, numerosas, organizadas, mas em cujas fileiras penetrou, em larga medida, a displicência no que tange à própria derrocada.

P - Como a TFP encara a ascensão de Brizola ao governo do Rio de Janeiro?

R - Como uma consequência natural desse estado de espírito que acabo de mencionar. Em nosso País, a "aile marchante" da esquerda consiste em boa parte no alto e médio-alto empresariado urbano e rural, no "café society" (como a "Última Hora" já registrou perplexa), em grande parte do Clero, e em parte ainda maior nos meios de comunicação social. Isto é, em todos os ambientes que constituíam outrora as cidadelas do centro-direita e da direita. O melhor do conservantismo está, hoje, em parte, na classe média e na classe laboral.

Mas, diante da inércia (para dizer só isso) de tão grande parte das elites, a vitória de Brizola era inevitável.

Agora acontece que muitos dos que votaram em Brizola não querem que este desenvolva na íntegra o programa do qual, entretanto, é símbolo.

Brizola modelo-83 será mais sagaz do que Brizola modelo-64, e saberá evitar as truculências ideológicas e políticas que tanto lhe foram nocivas na época de seu cunhado Jango? Há mesmo dois modelos de Brizola? – Vejamos....

P - A TFP investiu contra o socialismo de Mitterrand, publicando matéria paga em vários veículos americanos e europeus. Os mesmos argumentos se aplicam ao "socialismo moreno" de Brizola?

R - No Brasil as coisas costumam ser muito menos definidas do que na França. Sobretudo em matéria de ideologia política. Não creio que a maior parte da massa eleitoral que votou em Brizola seja favorável a todo o programa sócio-econômico explícito de seu partido. Quanto mais ao programa, tão mais claro, de Mitterrand e do PS francês.

P - Como a TFP se define a respeito do projeto de abertura do Presidente Figueiredo?

R - A ditadura militar, não a pedimos, e também não a combatemos. Procuramos agir sob ela, em favor da civilização cristã, no Brasil. Igualmente a abertura, não a pedimos nem a combatemos. Procuramos, ponto por ponto, como na situação anterior, servir sob ela a civilização cristã.

Da abertura queremos que seja coerente. Antes de tudo, não adotando uma política de dois pesos e duas medidas. Isto é, dando liberdade irrestrita à esquerda, até mesmo a mais radical – minando-a inclusive – e cerceando (sob pretexto de luta contra a radicalidade!) a liberdade da direita, por meio de carrancas, picuinhas, perseguições administrativas e até policialescas. É o desejo disto que, infelizmente, ouço rugir nos corações de certos vencedores "moderados". Se enveredarmos por aí, estaremos degenerando a abertura, transformando-a em uma ditadura virtual da esquerda.

Se tivermos uma abertura autêntica, sem mão e contramão, sob ela será possível, e até fácil, servir largamente o Brasil e a civilização cristã.

Como vê, minha resposta à sua pergunta tem em vista analisar a abertura do Presidente Figueiredo, não no que ela tem sido, mas naquilo em que pode desembocar.

P - E em relação à política econômica que acaba de levar o Brasil ao Fundo Monetário e a um estado de pré-moratória?

R - Como a imensa maioria dos brasileiros médios (e portanto não especializados nessas questões) sinto-me profundamente preocupado, mas também absolutamente carente de dados acessíveis e suficientes para opinar. Indiferença nenhuma. Pois nada do que interessa à causa pública deixa indiferente a TFP.

P - Quais os governadores eleitos pela oposição que merecem a confiança, ou, pelo menos, a indiferença, da TFP?

R - A julgar por certas afirmações programáticas, por certas tendências mais ou menos anunciadas antes das eleições, pelas atitudes exaltadas de vários de seus "supporters", os governadores eleitos pela oposição não podem deixar de despertar sentimentos de desacordo em relação a quem esteja situado no ângulo de visão da TFP. Mas esses sentimentos não nos levam a esquecer que sempre existiu e ainda existe, imanente na vida política brasileira, um fator de estabilidade que circunscreve, depois das eleições, pelo menos muitas das ameaças do período pré-eleitoral. É o que chamamos, na TFP, "fator F" (do verbo "ficar). Tudo fica. Ficará mesmo, dentro da sarabanda universal trágica em que se abre este ano de 1983?

P - Fala-se, agora, em eleição distrital. Que pensa a TFP do processo eleitoral brasileiro e do atual quadro partidário?

R - Uma eleição só pode valer algo como expressão autêntica da opinião pública. Enquanto o eleitorado não tiver a liberdade de não comparecer às urnas, não acredito em eleições autenticamente expressivas. O eleitor obrigado a votar é como alguém que é obrigado a comer de pratos que não o atraem. Este não almoça nem janta em liberdade. É só quando os partidos políticos se voltarem para idéias e para homens que deem ao eleitor vontade de votar, que o voto exprimirá o pensamento do eleitor.

P - Depois da abertura, sobretudo depois da anistia, e da formação dos novos partidos, mudou muito a posição do Clero brasileiro a respeito da política. Houve um evidente movimento de volta às igrejas, com algumas exceções, é claro. A TFP melhorou suas relações com a CNBB?

R - Desculpe-me, porém em nenhum lugar vejo nesse "evidente movimento de volta às igrejas". Vejo, isto sim, uma mudança na posição política do Clero hoje, em relação à do Clero de há décadas atrás. E uma funda perplexidade vai decorrendo em largos setores católicos.

"Melhora de relações com a CNBB"? Depende do ângulo em que eu me ponha para responder. Se se trata de uma reaproximação de rumos, infelizmente não a vejo. Se se trata de uma melhora de relações dentro do fato de que esses rumos não se estão reaproximando, é preciso distinguir.

Com efeito, há Srs. Bispos que de nenhum modo concordam conosco, mas que se mantêm numa posição de discreto silêncio. Outros exprimem seu desacordo em termos impessoais e polidos. São dois modos de relacionamento perfeitamente normais, dentro do desacordo que todos lamentamos. A TFP se manifesta em relação a eles de modo correlato, acrescido da peculiar nota de respeito que o fiel deve a todo prelado. Pelo contrário, não faltou quem desse ouvidos a difamações torpes contra a TFP, e até lhes servisse de eco. A TFP se defendeu com brio, sem, contudo, faltar com o respeito devido à dignidade eclesiástica de quem a destratava. Aqui também houve relacionamento correto. Porém, só da parte da TFP.

P - Como se mantém a TFP?

R - A TFP se mantém com as contribuições de seus sócios e cooperadores, e com donativos de seus simpatizantes, numerosos graças a Deus, em todo o País. O montante desses donativos é constituído muito mais de quantias médias e pequenas do que quantias acima da média. Donativos verdadeiramente grandes, nenhum.

P - A TFP continua recrutando quadros ou seu pessoal está diminuindo?

R - Espanta-me sua pergunta. Por pouco que se observe o nosso movimento, nota-se que ele está crescendo muito. Especialmente em certo setor da pequena burguesia, o qual começa apenas a emergir da condição operária.

P - Quais as linhas de força que, segundo a TFP, comandarão a evolução institucional do Brasil neste ano de 1983?

R - É difícil prever antes de que os novos governadores definam inteiramente sua linha de conduta, e o nosso País, por sua vez, defina bem seu programa face à terrível crise em que parecemos estar entrando.

P - Como o Sr. define a estrutura de comando da TFP?

R - As fileiras da TFP se compõem de pessoas de todas as classes sociais, níveis culturais e idades. Nesse conjunto doutrinariamente homogêneo, mas heterogêneo em quase tudo mais, o tempo de serviço, a dedicação, a experiência foram definindo um núcleo de estabilidade e de responsabilidade, no qual se recrutam habitualmente os dirigentes dos setores e dos serviços, grandes ou médios. Isto por eleição ou por designação, nos termos dos Estatutos. E sempre com o consenso geral.

Os dirigentes de setores e serviços dispõem de uma amplitude de liberdade que espantaria uma pessoa que imagine a TFP segundo a pinta certa contrapropaganda criptocomunista. Assim se formam os verdadeiros líderes, aptos a substituírem qualquer pessoa que a livre escolha estatutária ou o chamado de Deus, pela voz da morte, retire de suas funções.

O quadro não estaria completo sem dizer que todos os grandes assuntos da TFP são periodicamente expostos, e de modo meticuloso, às pessoas em idade de deles tomarem conhecimento. Isto se faz em reuniões gerais, nas quais é frequente o uso do direito, que a todos assiste, de perguntarem o que lhes pareça necessário para a inteira ilustração da matéria versada.

P - Qual o nome, dentro do PDS, que, na sua opinião, deveria suceder ao Presidente Figueiredo?

R - É o tipo da questão acerca da qual, como foi dito na resposta à pergunta no. 1, a TFP só em ocasiões muitíssimo excepcionais se pronunciaria.

P - Como vão a propriedade, a família e a tradição no Brasil?

R - Uma resposta a essa pergunta pediria quase tanto espaço quanto o que foi utilizado até aqui, nesta entrevista. O Brasil é vastíssimo. Esses três temas são muito complexos, e as realidades contemporâneas são todas cheias de meandros, que variam segundo as diversas regiões do País.

A Tradição, a Família e a Propriedade irão muito bem, desde que todos os responsáveis por elas as defendam com proporcionado empenho. Isto é, desde que as instituições e famílias portadoras de tradições se mantenham fiéis a elas, e as preservem contra a torrente devastadora das "modernizações" demolidoras de tudo quanto nos legou o passado; desde que os responsáveis pelas famílias e pelo ensino se empenhem, com toda a alma, em lutar contra a degradação da autoridade, a deterioração do ensino, contra o permissivismo moral debandado, contra a pornografia, etc., desde que todos os proprietários – defensores naturais do instituto da propriedade individual – não se omitam da luta contra o criptocomunismo, a ação erosiva dos inocentes úteis, o socialismo e o comunismo.

Em todos esses setores há gente que o faz. Aplaudimo-los com calor. Mas isto não basta. É preciso que o façam todos, sempre, e por toda parte. Porque assim lutam os adversários: lutam todos, lutam sempre, lutam por toda parte.

A vitória não depende principalmente dos esforços em contrário da esquerda. Esta é microscópica. A vitória depende da boa união entre o centro e a direita, e da efetiva militância doutrinária-política de um e de outra.

E a TFP? Existe para cooperar com eles ardorosamente, na medida em que estes queiram salvar-se. Ninguém ganha uma batalha carregando às costas um partidário que dorme.

E a nossos contendores, hoje vitoriosos, o que pedimos? Nenhum apoio. Nenhuma subvenção. Nenhum cambalacho. Tão-só coerência absoluta e adamantina no seu programa de abertura. Deem-nos inteira liberdade, e respeitem-nos, como o prometeram a cada brasileiro.


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