O presente texto é adaptação de transcrição de gravação de conferência do
Prof. Plinio Corrêa de Oliveira a sócios e cooperadores da TFP, mantendo
portanto o estilo verbal, e não foi revisto pelo autor.
Se o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira estivesse entre nós, certamente pediria
que se colocasse explícita menção a sua filial disposição de retificar
qualquer discrepância em relação ao Magistério da Igreja. É o que fazemos
aqui constar, com suas próprias palavras, como homenagem a tão belo e
constante estado de espírito:
“Católico apostólico romano, o autor deste texto se submete com filial ardor
ao ensinamento tradicional da Santa Igreja. Se, no entanto, por lapso, algo
nele ocorra que não esteja conforme àquele ensinamento, desde já e
categoricamente o rejeita”.
As palavras "Revolução" e "Contra-Revolução", são aqui empregadas no sentido
que lhes dá o Prof. Plínio Corrêa de Oliveira em seu livro "Revolução
e Contra-Revolução", cuja primeira edição foi publicada no Nº
100 de "Catolicismo",
em abril de 1959.
Não há Santo do Dia em nosso calendário hoje e eu tenho
um pedido para falar de uma invocação de Nossa Senhora
que é Nossa Senhora do Divino Amor. Eu sugeri que
essa invocação fosse dada como título ao Êremo
[*] de
Petrópolis, atualmente em estágio em Curitiba. Eles
aceitaram de bom grado e me pediram uma explicação a
respeito desse fato, dessa invocação, e eu passo a dar a
invocação agora.
Nossa Senhora
do Divino Amor
Igreja
da Consolação - São Paulo
Os senhores tem uma imagem de Nossa Senhora do Divino
Amor na igreja da Consolação, na capela do Santíssimo
Sacramento, à direita de quem olha para o altar do
Santíssimo Sacramento, há uma coluna sobre o qual se
encontra uma imagem de Nossa Senhora, lavrada em
madeira. E é Nossa Senhora que tem no coração o
Espirito Santo e é a invocação de Nossa Senhora do
Divino Amor.
O que é que vem a ser? Qual é o sentido profundo dessa
invocação? O sentido profundo é o seguinte: os senhores
sabem bem que a coisa mais preciosa que o homem pode ter
nesta terra, a que lhe granjeia o céu é o amor de Deus.
O amor de Deus é o primeiro de todos os Mandamentos e é
o mandamento que dá valor a todos os outros.
Quer dizer se uma pessoa cumprisse todos os outros
mandamentos por outras razões que não o amor de Deus,
aos olhos de Deus o cumprimento de todos esses
mandamentos não tinha valor. Porque é preciso que as
coisas sejam feitas por amor de Deus para terem valor.
Quer dizer, a virtude cúpula, a virtude áurea, de acordo
com a doutrina católica, é o amor de Deus.
Agora, este amor de Deus é, por outro lado, o que nos
abre as portas do céu. Quer dizer, só entra no céu quem
tem amor de Deus, e no céu nós estamos praticando um
eterno ato de amor de Deus.
De maneira que Nossa Senhora do Divino Amor é Nossa
Senhora enquanto nos obtendo a mais alta virtude e o
mais alto dom que ela pode obter para uma criatura.
Enquanto nos comunicando a mais alta virtude que Ela teve,
que foi o amor de Deus. De maneira que nós precisamos
nos perguntar qual é o papel de Nossa Senhora na
obtenção do amor de Deus e na difusão do amor de Deus.
A coisa se põe de um modo muito simples. Se Nossa
Senhora -- e esta é uma verdade de fé que ninguém pode
negar sob pena de pecado mortal -- se Nossa Senhora é a
Medianeira de todas as graças, quer dizer, todos os
pedidos que vão a Deus passam por Ela; os homens só
obteriam se Ela pedisse junto com eles, se todos os
pedidos de todos os santos do céu feitos em união com
Nossa Senhora são atendidos, mas se Nossa Senhora não
pedisse com eles, não seriam atendidos; Nossa
Senhora pedindo sozinha sem eles todos, Ela sozinha é
atendida; de tal maneira que Ela é o ponto por onde
todas as preces chegam a Deus e se tornam agradáveis a
Deus.
Também é verdade que todas as graças que Deus dá, nos dá
então por meio dEla. Porque se é Ela fundamentalmente
que obtém, então também é verdade que é Ela
fundamentalmente que concede. E que Ela é o canal por
onde todas as graças, todas as preces sobem, e todas as
graças descem para os homens. E é assim verdade que o
amor de Deus é Nossa Senhora que obtém para os homens.
Agora, o amor de Deus nós podemos considerar em duas
linhas: o amor natural e o amor sobrenatural. O que é o
amor natural de Deus? É o amor que teria a Deus um homem
se não conhecesse senão a religião natural.
O que vem a ser a religião natural? Há certas coisas a
respeito de Deus que os homens conhecem simplesmente
pela razão, não porque estejam na Escritura, não porque
portanto tenham sido reveladas, não porque constem da
Tradição mas é simplesmente por causa da razão humana
que o homem conhece certas coisas a respeito de Deus.
Essas coisas que ele conhece de Deus, quer dizer, que há
um só Deus, supremo, criador de todas as coisas,
infinitamente perfeito, misericordioso, portanto justo,
que ama os homens e que os chama para uma vida eterna
depois dessa existência, essas verdades que o homem
conhece simplesmente por sua razão, elas justificam um
amor que o homem tem a Deus também, um amor de índole
meramente natural.
Quer dizer, o homem ama a Deus por causa daquilo que ele
conhece. Estão nesse caso as almas que estão no Limbo,
as almas de pessoas que morreram quando eram crianças,
não tinham ainda a idade de razão, não podiam portanto
nem pecar nem não pecar, mas que logo que morrem a
sua alma atinge o estado adulto e elas amam a Deus pelo
que conhecem de Deus, e amam a Deus por toda a
eternidade. Mas amam a Deus apenas por aquilo que a sua
razão lhes diz de Deus.
Mas para nós que fomos batizados, para nós que além de
batizados temos toda a vida da graça que a Igreja
oferece, temos a fé, não há apenas esse amor natural de
Deus, há também o amor sobrenatural de Deus.
O que vem a ser o amor sobrenatural de Deus? O amor
sobrenatural de Deus é o fruto próprio de um
conhecimento sobrenatural de Deus. Quer dizer nós
conhecemos de Deus pela Escritura, pela Tradição,
portanto pela Revelação, nós conhecemos de Deus
incomparavelmente mais do que nossa simples razão
poderia dizer.
Por exemplo a Santíssima Trindade nós não conhecemos
pela nossa razão, nós conhecemos simplesmente porque foi
revelado. E assim uma porção de outras, um caudal
enorme de verdades de fé, fundamentais, que nós só
conhecemos porque Deus revelou.
Ensina-nos a Igreja que esse ato pelo qual a razão
humana adere ao que foi revelado, é um ato sobrenatural,
não é um puro ato natural. Nós não percebemos que ele é
sobrenatural, mas de fato ele o é. Quer dizer, sem uma
graça que Deus dá ao homem para isto, o homem é incapaz
de crer. O ato de fé, embora seja um ato conforme a
razão, justificado pela razão, a simples razão não basta
para que o homem faça o ato de fé, ele precisa de um
auxilio especial.
E esse auxilio especial que é a fé, é já nesta terra o
começo da visão beatifica, quer dizer é uma espécie de
semente do ato que nós faremos quando nós no céu
contemplarmos Deus face a face.
Esse ato de conhecimento sobrenatural de Deus que é a
fé, traz como conseqüência própria o amor de Deus, mas
um amor sobrenatural também. Um amor que só pode ser
obtido, portanto, por meio de uma graça. E este amor que
vem, portanto, de Deus para nós, - para nós amarmos a
Deus, é preciso que antes Deus nos tenha amado e nos
tenha dado a graça de amá-Lo, - esse amor que Deus tem por
nós é o amor que Ele nos dá, o primeiro passo é dEle
para conosco e não nosso para com Ele. E esse amor
sobrenatural é um amor que também nos vem da fé, nos vem
da graça e sem a graça nós absolutamente não o obteríamos.
Nossa Senhora é que pede para nós a fé. Nossa Senhora é
que pede para nós a graça do amor, e sem a graça nós não
teríamos nem a fé nem o amor sobrenatural.
Então o que é Nossa Senhora aí? Nossa Senhora é a
medianeira que obtém de Deus para nós esse amor
sobrenatural dEle, que é o por onde o católico pode
salvar-se. O católico não pode salvar-se sem um amor
sobrenatural de Deus.
Bem, agora, não é apenas o caso de dizer que Ela pela
intercessão dEla obtém esse amor, mas Ela é um
reservatório desse amor, Ela é uma tocha ardente desse
amor, e esse amor se comunica de um para o outro. Ela
passa esse amor dEla que ama mais a Deus do que todas as
criaturas juntas o amam, Ela passa para as criaturas,
ela transmite para as criaturas.
Ela é mais ou menos como uma tocha que se acende no sol
que é Deus, e que depois com o fogo que nEla se acendeu
passa a todas as outras criaturas. Quer dizer ela
comunica esse amor do qual ela é um reservatório, um
mar, um oceano imenso. Ela transmite esse amor aos
outros
Assim, em ultima análise, para todos os problemas de
nossa vida interior, nós temos que pedir antes de tudo o
amor de Deus. Temos que agradecer o amor de Deus que nós
recebemos e temos que pedir mais amor de Deus.
Nós não podemos fazer a Nossa Senhora um pedido mais
agradável do que pedir a Ela que nos dê amor de Deus. Se
nós tivermos amor de Deus nós praticaremos todas as
outras virtudes; se nós não tivermos amor de Deus não
praticaremos virtude nenhuma.
A repercussão disso sobre o apostolado é uma repercussão
enorme, porque o ato de apostolado é um ato pelo qual
uma pessoa comunica a outra o conhecimento de Deus
através da fé. E o amor de Deus, através do bom
conselho
que acende na pessoa o amor de Deus.
Para que meu ato de apostolado seja fecundo só pode ser
por uma ação sobrenatural da graça ajudando meu ato. Se
não meu ato é inteiramente incapaz de fazer qualquer
coisa. Os senhores se lembram da comparação que eu dei
da energia elétrica que passa pelo tungstênio. A graça
seria algo de mais ou menos parecido com a energia
elétrica que passa pelo tungstênio.
Então, Nossa Senhora é a verdadeira alma do meu
apostolado, porque é por meio dEla que eu tenho as
graças para meu apostolado frutificar.
O principio, portanto, fundamental do livro de Dom
Chautard [**] está representado nessa invocação Nossa Senhora
do Amor Divino, quer dizer Nossa Senhora enquanto dando
ao apóstolo o amor de Deus e ajudando o apóstolo a
transmitir o amor de Deus para as outras pessoas. É
Nossa Senhora o principio -- princípio vital não se
poderia dizer -- mas condição fundamental de minha vida
espiritual, é Nossa Senhora condição fundamental da
fecundidade de meu apostolado. Aquela famosa figura
oriental que está no [livro de] Dom Chautard, de Nossa Senhora que
está rezando e que tem dentro de si o Menino Jesus com o
pergaminho ensinando, poderia se chamar perfeitamente, - é
uma invocação grega, não me lembro mais qual é -, mas
poderia se chamar perfeitamente Nossa Senhora do Amor de
Deus
Quer dizer Ela enquanto reza, na pessoa dEla, o Menino
Jesus ensina. Então também é Ela enquanto reza que
obtém para todo mundo o amor de Deus, quer dizer, o
Menino Jesus fala a todas as almas. Em Nossa Senhora Ele
fala a todas as almas, dando-lhes o amor de Deus. Quer
dizer, portanto, para quem quer cultivar a fecundidade
do apostolado, para quem se consagra ao apostolado
individual, é
absolutamente fundamental uma compenetração da
importância de Nossa Senhora nesse sentido. E é por isso
que eu dei esse titulo ao Êremo de Petrópolis.
Ela é também Nossa Senhora do apostolado vitorioso,
porque apostolado é transmissão de fé e de amor de Deus.
E essa transmissão só se pode fazer em união com Ela que
obtém a graça dessa transmissão para as pessoas junto às
quais agimos. É o que convém especialmente a quem se dedica ao
apostolado, à luz do livro de Dom Chautard.
NOTAS
[*]"Êremos":
sedes da TFP especialmente destinadas a estudo e oração,
caracterizadas por um ambiente de recolhimento e por uma
regra de vida precisa.
A palavra “êremo” deve-se a Fábio Vidigal Xavier de
Silveira, dirigente da TFP brasileira, falecido em 1971.
Alguns anos antes da sua morte, visitando o célebreEremo
delle Carceri,em
Assis, tinha-se entusiasmado com o espírito sobrenatural
que o caracterizava e tinha aplicado o uso desta
palavra, na linguagem familiar, à sede em que trabalhava
(Cfr."O
Cruzado do Séc. XX", Cap. 5, 2).
[**]"A Alma de todo Apostolado" de
Dom João Batista Chautard - Dom João
Batista Chautard nasceu em Briançon (França), em 12 de
março de 1858, recebendo o nome de Gustavo. Em 1877
decidiu tornar-se religioso, entrando na Abadia de
Aiguebelle, da Ordem de Cister, tendo sido incumbido por
seus superiores de cuidar da manutenção e restauração de
vários mosteiros cistercienses. Em 1899 foi eleito abade
do Mosteiro de Nossa Senhora de Sept Fons. Em 1904
trouxe os cisterciences para o Brasil. Defendeu os
religiosos contemplativos durante a perseguição movida
na França contra eles, no início do século XX. Escreveu
em 1910 a famosa obra A Alma de todo Apostolado, que se
tornou best-seller internacional, na qual expõe que o
fundamento do êxito no apostolado é a vida interior.
Faleceu em 29 de setembro de 1935 [o
livro pode ser baixado aqui].