Hoje é festa das Sete
Dores de Nossa Senhora, colocada, com muita felicidade, logo depois da
festa da Exaltação da Santa Cruz. “Festa estendida a toda Igreja por Pio
VIII, em memória da proteção da Santíssima Virgem na libertação de Pio
VII”. Sobre isto comenta D. Guéranger:
“No decurso da
oitava da Natividade, o pensamento do sofrimento não se apresentava ao
espírito do fiel, mas se nós nos tivéssemos posto a questão “o que será
essa criança”, nós teríamos visto exatamente que se todas as nações
devessem um dia proclamá-la bem-aventurada, Maria deveria sofrer antes
com seu Filho, para a salvação do mundo. Ela mesma, pela voz da
liturgia, nos convida a considerar sua dor: “Ó vós todos que passais
pelo caminho, parai e vede se há uma dor igual à minha dor. Deus me pôs
e estabeleceu na desolação. Minha dor é obra de Deus”.
“É Ele que,
predestinando-A a ser Mãe de seu Filho, uniu indissoluvelmente sua
pessoa à vida, aos mistérios, aos sofrimentos de Jesus para ser, na obra
da Redenção, sua fiel cooperadora. É preciso que o sofrimento seja um
bem muito considerável, para que Deus, que ama tanto Seu Filho, tenha
dado sofrimento a Ele. E como depois de Seu Filho, Ele ama a Santa
Virgem mais do que qualquer criatura, Ele quis dar a Ela também o
sofrimento como o mais rico dos presentes. Por Maria, o sofrimento não
dava só no Calvário; o sofrimento lhe veio com Jesus, “essa criança
incômoda” como disse Bossuet, porque Jesus, entrando em qualquer lugar,
entra com Sua cruz; e a traz com seus espinhos, e a distribui a todos
que a amam”.
“A solenidade
desse dia, que nos mostra sobretudo Maria no Calvário, nos lembra, nessa
dor suprema de todas as dores, conhecidas ou não, que encheram a vida de
Nossa Senhora. Se a Igreja se deteve no número de sete, é porque esse
número exprime sempre a idéia de totalidade ou universalidade. Para
compreender, com efeito, a extensão e intensidade dos sofrimentos de
Nossa Senhora, é preciso conhecer o que foi seu amor por Jesus. E seu
amor aumentou seu sofrimento. A natureza e a graça concorrem juntas para
produzir no coração de Maria impressões profundas. Nada é mais forte e
mais premente do que o amor que a natureza dá para um filho e aquele que
a graça dá para um Deus”.
|
As Sete Dores da Santíssima Virgem
DÜRER, Albrecht - c. 1496
Alte Pinakothek, Munchen and
Gemäldegalerie, Dresden |
São tantos pensamentos
excelentes, que se seria tentado a desenvolver excessivamente este Santo
do Dia. Mas em todo caso, vamos nos concentrar sobre duas idéias que estão
aqui: 1) Deus, tendo amado com amor
infinito ao Seu Verbo Encarnado, Nosso Senhor Jesus Cristo, e tendo amado
com um amor inferior a esse, mas superior a todos os outros, a
Nossa Senhora, Lhes obteve tudo quanto há de bom. E por isso Lhes
concedeu aquela
imensidade de cruzes que é representado pelo número sete. São sete dores,
quer dizer, são todas as dores. E Nossa Senhora das Dores poderia ser
chamada perfeitamente Nossa Senhora de todas as Dores, porque não houve
dor que Ela não tivesse.
2) Por causa disso, se é
verdade que todas as gerações A chamarão bem-aventurada, a um título
menor, mas imensamente real, todas a gerações A poderiam ter chamado
“infeliz”. Ora, se isso é assim, nós deveríamos compreender melhor, quando
a dor entra na nossa vida, que é uma prova de amor de Deus. E que
enquanto a dor não penetrar em nossa existência, não temos todas as provas de amor de
Deus. Eu acrescentaria - e mais adiante justificarei - não temos
a principal prova do amor de Deus para conosco.
O que quer
dizer isto? Há muitas pessoas que olho e observo sua fisionomia. E, no fundo desta, vejo isto:
falta-lhe ainda sofrer, falta uma nota de maturidade,
de estabilidade, de racionalidade, uma elevação que só tem aquele
que sofreu, e que sofreu muito. Em quem leva uma vida sem
sofrimento, essa nota não transparece na fisionomia
e, o que é muito pior, não transparece na alma.
Devemos
compreender isso quando começam a surgir os contratempos, dificuldades em nosso
apostolado, mal entendidos com os amigos dentro do Grupo(**),
mal entendidos com nossos superiores, saúde que anda mal, negócios que
andam mal, encrencas dentro de casa, não deveríamos tomar isso como um
bicho de sete cabeças, como o espírito hollywoodiano gostaria que se
tomasse, ou seja como uma coisa que não devia acontecer. Como foi que
aconteceu uma coisa dessas?... Não senhor!
Quem não sofre é que deve
se perguntar: como está me acontecendo isto, pois não estou sofrendo nada?
Porque o normal é sofrer. Aquele a quem Deus ama, a quem Nossa
Senhora ama, este sofre, porque Deus não vai recusar a este filho, o que
concedeu em abundância aos dois entes que Ele mais amou, que são Nosso
Senhor Jesus Cristo e Sua Mãe Santíssima.
Os senhores compreendem,
então, que o normal é sofrer. E tenham isto por normal em sua
vida: tentações, provações de corpo ou de alma, toda espécie de coisas, a
gente deve pedir para que passem, mas na medida em que não passarem, a
gente deve bendizer a Deus, bendizer a Nossa Senhora. São Luís Grignion
de Montfort
chega a dizer que quem não sofre deve fazer peregrinações e orações
pedindo sofrimento, embora ele condicione este pedido à aprovação de um
diretor espiritual, porque é um pedido muito grave. Mas é porque quem não
sofre, não vai indo tão bem quanto podia ir, e às vezes vai indo
inteiramente mal.
Aí os senhores têm
a
frase estupenda de Bossuet, a respeito de Nosso Senhor Menino: “aquele Menino incômodo”. Como todos aqueles que querem seguir a Nossa Senhor são
incômodos!... Às vezes temos a sensação experimental disso. Começamos a dar
um conselho, um exemplo, começamos a pedir um sacrifício, o semblante de
nosso interlocutor vai denunciando que ele nos está vendo incômodo. Como
seria mais fácil dizer uma piada alegre, fazer uma brincadeira, acabar
tudo com um tapinha nas costas e dispensar de uma obrigação!
Como mandar seria
agradável, se fosse isto! Mas mandar é o contrário: é estar
exigindo que nosso subordinado tome as coisas a sério, que as olhe pelo
seu lado mais profundo, que veja as coisas pelo seu lado mais alto, mais
sério, mais sublime, que veja de frente a sua própria alma, que se examine
a si mesmo detidamente, que procure corrigir efetivamente e seriamente os
seus defeitos. E como isto é incômodo!
Pois bem,
o sermos incômodos é um dos maiores pesos, e também esse devemos
carregar. Nas nossas famílias nos acham incômodos porque lhes lembramos o
dever. A resignação alegra essa incomodidade. A coragem de sermos
incômodos em todas as circunstâncias; o votarmos a amizade de preferência
aos nossos amigos incômodos, quando a incomodidade deles consiste em nos
lembrar o dever, são as virtudes que, no dia das Sete Dores de Nossa
Senhora, devemos Lhe pedir.
Ela que também teve um
Filho que Lhe trouxe tantos divinos incômodos, e que nos convidando a
meditar sobre a dor dEla, nos convida a meditar sobre a seriedade e a
sublimidade da Sua e de nossa existência, e que a esse título é também
para nós maternal e estupendamente incômoda.
(*) Há incerteza quanto ao ano: se 1965
ou 1966.
(**)
Aqui o Prof. Plinio se refere aos
membros da TFP, aos quais se dirigia. Tendo esta se originado, mais
recentemente, do “Grupo do Catolicismo”, isto é dos redatores e de todos
aqueles que militavam em torno à Revista “Catolicismo”, generalizou-se, na
linguagem interna da TFP, referir-se a si mesma como o “Grupo”.