Plinio Corrêa de Oliveira

 

Fazer todas as ações em Maria:

 comentários ao tópico 261 do

"Tratado da Verdadeira Devoção

à Ssma. Virgem"(*)

 

"Santo do Dia",  5 de junho de 1972     

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A D V E R T Ê N C I A

O presente texto é adaptação de transcrição de gravação de conferência do Prof. Plinio Corrêa de Oliveira a sócios e cooperadores da TFP, mantendo portanto o estilo verbal, e não foi revisto pelo autor.

Se o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira estivesse entre nós, certamente pediria que se colocasse explícita menção a sua filial disposição de retificar qualquer discrepância em relação ao Magistério da Igreja. É o que fazemos aqui constar, com suas próprias palavras, como homenagem a tão belo e constante estado de espírito:

“Católico apostólico romano, o autor deste texto  se submete com filial ardor ao ensinamento tradicional da Santa Igreja. Se, no entanto,  por lapso, algo nele ocorra que não esteja conforme àquele ensinamento, desde já e categoricamente o rejeita”.

As palavras "Revolução" e "Contra-Revolução", são aqui empregadas no sentido que lhes dá o Prof. Plínio Corrêa de Oliveira em seu livro "Revolução e Contra-Revolução", cuja primeira edição foi publicada no Nº 100 de "Catolicismo", em abril de 1959.

 

São Luís Grignion de Montfort coloca o "Tratado" aos pés de Nossa Senhora (conjunto escultural na igreja dos Montfortanos em Roma) 

Tratado da Verdadeira Devoção à Santíssima Virgem

Tópico 261

3º É preciso fazer todas as ações em Maria.

 

 Para compreender cabalmente esta prática, é necessário saber que a Santíssima Virgem é o verdadeiro paraíso terrestre do novo Adão, de que o antigo paraíso terrestre é apenas figura. Há, portanto, neste paraíso terrestre, riquezas, belezas, raridades e doçuras inexplicáveis, que o novo Adão, Jesus Cristo, aí deixou. Neste paraíso ele pôs suas complacências durante nove meses, aí operou suas maravilhas e aí acumulou riquezas com a magnificência de um Deus. Este lugar santíssimo é formado de uma terra virgem e imaculada, da qual se formou e nutriu o novo Adão, sem a menor mancha ou nódoa, por operação do Espírito Santo que aí habita. É neste paraíso terrestre que está em verdade a árvore da vida que produziu Jesus Cristo, o fruto da vida; a árvore da ciência do bem e do mal, que deu a luz ao mundo. Há, neste lugar divino, árvores plantadas pela mão de Deus e orvalhadas por sua unção divina, árvores que produziram e produzem, todos os dias, frutos maravilhosos dum sabor divino; há canteiros esmaltados de belas e variegadas flores de virtudes, cujo perfume delicia os próprios anjos. Ostentam-se neste lugar prados verdes de esperança, torres fortes e inexpugnáveis e fortes, habitações cheias de encanto e segurança, etc. Ninguém, exceto o Espírito Santo, pode dar a conhecer a verdade oculta sob estas figuras de coisas materiais. Reina neste lugar um ar puro, sem infecção, um ar de pureza; um belo dia sem noite, da humanidade santa; um belo sol sem sombras, da Divindade; uma fornalha ardente e contínua de caridade, na qual todo o ferro que aí se lança fica abrasado e se transforma em ouro; há um rio de humildade que surge da terra, e que, dividindo-se em quatro braços, rega todo este lugar encantado: são as quatro virtudes cardeais.

São Luis Maria Grignion de Monfort

19ª edição – Editora Vozes – Petrópolis, 1992.

Eu estava tratando daquela expressão de São Luís Grignion de Montfort: fazer todas as ações com Maria, em Maria, por Maria. Eu tinha tratado de "com Maria"; vem agora "em Maria". Ele dá a seguinte explicação:

"Para compreender cabalmente essa prática, é preciso saber que a Santíssima Virgem é o verdadeiro paraíso terrestre do novo Adão, de que o antigo paraíso terrestre é apenas a figura".

  Quer dizer o seguinte: Adão, o nosso primeiro pai, foi criado no paraíso, que era o lugar de maravilhas, de esplendores, de felicidade. Ele prevaricou, pecou, e saiu do paraíso. Tanto ele quanto Eva. Mas era o paraíso do primeiro Adão.

Nosso Senhor Jesus Cristo é considerado - a justo título - o segundo Adão. Ou seja, Aquele que veio restabelecer a humanidade, tirá-la das sombras da morte, do nada, e restabelecê-la no estado de graça, através de Sua Redenção, através da imolação que Ele fez de Si mesmo no alto da Cruz. Ele é considerado o novo Adão. Assim como o primeiro Adão foi criado num paraíso, o novo Adão deveria ser criado num paraíso também.

Qual era esse paraíso, o segundo paraíso do segundo Adão? Era Nossa Senhora. Quer dizer, tudo aquilo que o paraíso primeiro – o paraíso terrestre – tinha de belo, de esplêndido na sua realidade material, Nossa Senhora tinha de belo e esplêndido na sua realidade espiritual; de mais esplêndido ainda, de mais belo do que o primeiro paraíso.

E Nosso Senhor Jesus Cristo, vivendo em Nossa Senhora, teve toda a felicidade, todo o contentamento que Adão teve no paraíso. E muito mais ainda, porque assim como Ele era incomparavelmente, infinitamente superior a Adão, o segundo paraíso do segundo Adão era insondavelmente superior ao primeiro paraíso do primeiro Adão.

Então, Nossa Senhora é o Paraíso de Nosso Senhor Jesus Cristo. Este é o pensamento que ele desenvolve aqui. E as considerações que vêm a seguir são baseadas nessa idéia.

  "Há, portanto, nesse paraíso terrestre riquezas, belezas, raridades e doçuras inexplicáveis que o novo Adão, Jesus Cristo, aí deixou".

  O Paraíso terrestre aí é Nossa Senhora, o paraíso do segundo Adão. Os srs. vejam que tudo quanto São Luís de Montfort diz é muito calculado. Ele faz a distinção de "riquezas, belezas, raridades e doçuras". São coisas diferentes.

Riqueza é a abundância das coisas úteis; é diferente da beleza. Uma coisa pode ter uma grande beleza e não representar riqueza. Por exemplo, a água. Pode haver num regato uma água cristalina de uma grande beleza. Pode ser que essa água seja – é certamente – incomparavelmente mais bela do que qualquer trator, que é uma coisa feia. Mas o trator é uma riqueza e a água uma beleza.

Nesse novo paraíso havia, portanto, riquezas, havia belezas no sentido espiritual da palavra. Havia, também, raridades. Os srs. dirão: "Mas tudo que é raro é caro". É verdade na nossa civilização argentária, onde tudo tem um preço em dinheiro. Mas numa civilização não argentária, nem tudo quanto é raro é caro.

Por exemplo, um amigo vai se tornando uma coisa cada vez mais rara. Mas não é cara porque não se põe à venda. Na medida em que ele possa ser comprado a dinheiro ou vendido a dinheiro, a amizade está desfeita.

A raridade é, portanto, uma coisa diferente dos dois fatores anteriores: da beleza e da riqueza. São Luís calculou, fez um inventário exato dos vários modos pelos quais uma coisa pode ser digna de valor para o homem.

Depois, as doçuras. A doçura é algo que torna alguma coisa amena, agradável de trato, suave de contato. Se os srs. querem ter uma idéia, os srs. considerem isso (não sei se os cientistas hoje explicaram, mas que existe e que no tempo em que eu era pequeno, ouvia conversar sobre isso e que naqueles longínquos tempos era inexplicável): o bem-estar que os homens sentem quando estão à sombra de determinadas árvores.

Próximo à cidade de Amparo [no Estado de São Paulo] há no caminho uma árvore copada, redonda, bonita – parece uma bola – que quase chega até o chão. Se eu fosse mais moço certamente teria detido o automóvel e chegado até embaixo da árvore, porque tenho certeza que se tem ali, se experimenta ali uma doçura que é diferente da realidade da riqueza e da beleza. É um bem-estar naquele aconchego, é uma harmonia, uma suavidade, que é diferente das outras coisas; à beira d'água, aliás, a gente sente isso também. Por exemplo, à beira de um bonito lago, à beira de um riacho, à beira do mar. A gente não está pegando no mar, mas há uma doçura no mar – conforme as horas, porque o mar tem também horas de uma selvageria magnífica; tudo nele é magnífico, exceto quando ele está sujo de gasolina de navio que passou por lá. Ele é uma maravilha!

  * Tudo quanto se diz de Nossa Senhora, pode se dizer da Igreja, e tudo quanto se diz da Igreja, pode se dizer de Nossa Senhora

Mas, enfim, há uma doçura que não se esgota nos termos nem de beleza, nem de riqueza, nem de raridade. É uma coisa diferente. Então, São Luís fez um inventário desses quatro valores, o critério de classificação desses quatro valores. Para quê? Para o efeito de dizer que tudo isso existe em Nossa Senhora. E quando se aproveita bem o texto de São Luís Grignion, trata-se de ver em Nossa Senhora o que era a riqueza, a beleza, a raridade e o que era a doçura. E assim adquire-se um conhecimento classificado – que evidentemente não contém tudo – mas que pode dar uma espécie de idéia geral das riquezas contidas em Nossa Senhora.

Por via de comparação, nós deveríamos saber fazer isso também em relação à Santa Igreja Católica, Apostólica, Romana. Porque quase tudo que se diz de Nossa Senhora se diz da Igreja. E, reciprocamente, quase tudo o que se diz da Igreja, se diz de Nossa Senhora. Porque Nossa Senhora é Mãe de Cristo, e a Igreja é a Esposa de Nosso Senhor Jesus Cristo. E entre a Mãe e a Esposa há essas correlações que a gente pode compreender facilmente.

  * O "Tratado" é um misto de lógica e de fogo que poucas vezes se encontra

 São palavras que se encontram assim tão ao correr da pena no livro de São Luís Grignion, que a gente tem a impressão de que elas foram postas uma em cima da outra apenas para encarecer. Não são. No Tratado da Verdadeira Devoção, tudo tem sua razão de ser. E se a gente analisar, submeter qualquer trecho do Tratado à análise mais seca, encontra ali suco, encontra ali calor. Ele é um misto de lógica e de fogo que poucas vezes se pode encontrar e que faz dele uma obra-prima. É uma verdadeira obra-prima!

Então aqui está a idéia dele a respeito de Nossa Senhora.

  "Que o novo Adão, Jesus Cristo, aí deixou".

  * Nossa Senhora foi cada vez mais aprimorada e dotada de graças indizíveis por Nosso Senhor Jesus Cristo

   Aqui vem a idéia de que Nosso Senhor Jesus Cristo, no tempo em que viveu em Nossa Senhora – quer dizer, durante o tempo sacratíssimo em que Ele se formou no ventre materno –, deixou nEla maravilhas de toda ordem. Depois, pelo convívio que Ele teve com Ela depois do nascimento até a Ascensão, Ele ainda deixou mais coisas. Adão era no paraíso um consumidor – não consta que fosse um embelezador –, embora sua tarefa fosse provavelmente de construir com seus descendentes uma civilização que ainda aprimorasse mais o paraíso.

Mas Nosso Senhor Jesus Cristo aprimorou o paraíso onde esteve. Quer dizer, Ele dotou Nossa Senhora de graças indizíveis. Então, vem aí a idéia de que o novo Adão embelezou enormemente o paraíso, como o gênero humano se não tivesse caído em pecado teria também embelezado o paraíso.

  "Nesse paraíso, Ele pôs as Suas complacências durante nove meses – que é o período da gestação. Aí operou suas maravilhas e aí acumulou riquezas com a magnificência de um Deus".

  * Nossa Senhora é incomparavelmente mais bela do que todo o universo

  A magnificência de um Deus é a magnificência total. Ele lembra numa frase, de passagem, que ninguém pode fazer, de longe, coisas tão magníficas quanto Deus. E se é verdade, como ele diz – e é mesmo verdade – que o paraíso do novo Adão foi mais esplêndido do que o paraíso do primeiro Adão, nós devemos deduzir daí que Nossa Senhora, espiritualmente, foi incomparavelmente mais bela do que todo o universo. Quer dizer, estrela, sol, lua, água, lírio do campo – o que quiserem – não tem nenhuma comparação de beleza com Nossa Senhora. Aliás, beleza física também. Porque a beleza física que Ela tinha era um reflexo de sua beleza moral transcendente.

  "Esse lugar santíssimo é formado de uma terra virgem e imaculada da qual se formou e nutriu o novo Adão, sem a menor mancha ou nódoa, por operação do Espírito Santo que aí habita".

  * Assim como Adão foi formado do barro, Nosso Senhor foi formado da carne virginal de Nossa Senhora

É mais uma linda comparação. Assim como Adão foi formado do barro por Deus, que nele incutiu depois uma alma, assim também o novo Adão foi formado da carne virginal de Nossa Senhora. É mais uma comparação que ele faz. E foi formado por obra do Espírito Santo.

  "É nesse paraíso terrestre que está, em verdade, a árvore da Vida que produziu Jesus Cristo".

  Havia uma árvore da vida no paraíso antigo. Mas no paraíso novo havia uma outra árvore, que produziu o mais precioso dos frutos, que é Jesus Cristo. É a fecundidade virginal de Nossa Senhora.

  "Há, nesse lugar divino, árvores plantadas pela mão de Deus e orvalhada por sua unção divina. Árvores que produziram e produzem todos os dias frutos maravilhosos, de um sabor divino".

  São os atos de virtude que Nossa Senhora produz continuamente.

  "Há aí canteiros esmaltados de belas e variegadas flores de virtude, cujo perfume delicia os próprios Anjos".

  A consideração das virtudes de Nossa Senhora deixa extasiados os Anjos, que são tão santos e puros.

  "Ostentam-se, neste lugar, prados verdes de esperança".

  Aqui vêm as virtudes principais de Nossa Senhora: o prado é verde, o verde é a cor da esperança. Então, ostenta a grande confiança.

  "Há torres inexpugnáveis e fortes habitações cheias de encanto e segurança".

  * Nossa Senhora é como uma torre inexpugnável, cheia de encanto e segurança

É uma linda imagem: um castelo com torres inexpugnáveis, cheias de encanto e segurança, com maravilhas dentro e fortíssimas por fora. Essa é a virtude da fortaleza que em Nossa Senhora protege todas as outras virtudes que Ela tem.

"Ninguém, exceto o Espírito Santo, pode dar a conhecer a verdade oculta sob essas figuras de coisas materiais".

  Quer dizer, ele fala de coisas materiais, mas só o auxílio da graça pode fazer uma pessoa ter idéia do que é isso na ordem espiritual, sobretudo na ordem sobrenatural.

  "Reina nesse lugar um ar puro, sem infecção, um ar de pureza".

  Aqui – coisa curiosa – fica um mistério. Qual é a distinção entre um ar puro e sem infecção e um ar de pureza? É uma redundância inútil num tratado tão bem escrito, ou isso tem um segundo sentido?

Sempre que eu li o Tratado esbarrei com esse pontinho e não consegui uma explicação adequada.

  "Há ali um belo dia, sem noite, da humanidade santa, um belo sol, sem sombra, da divindade".

  Quer dizer, Ela é bela como o dia por sua natureza, mas Cristo, que habita ali, é não o dia, mas o sol que é a fonte de toda a beleza do dia. Então, Jesus Cristo ali é o sol da divindade presente em Maria.

  "Uma fornalha ardente e contínua de amor de Deus, na qual todo o ferro que aí se lança fica abrasado".

  * Nossa Senhora é a fornalha de amor de Deus que abrasa a todos os que Lhe são devotos, transformando-os totalmente

  É uma linda imagem. Quer dizer, a pessoa pode ser dura e fria como o ferro, mas lançada nessa fornalha de amor de Deus que é Nossa Senhora – ou seja, sendo muito devota de Nossa Senhora –, ela fica como ferro candente, como ferro em brasa. E fica, portanto, terrível para pegar fogo, para queimar.

  "Na qual todo ferro que aí se lança fica abrasado e se transforma em ouro".

  Aqui há uma coisa curiosa também: o ferro comum que se põe no fogo não se transforma em ouro. Mas Nossa Senhora é um fogo que transforma o ferro em ouro. Quer dizer, transforma a alma dura numa alma de metal nobre, transforma a alma, portanto, totalmente. Nobilita-a.

  "Há um rio de humildade que surge da terra e que se divide em quatro braços e rega todo esse lugar encantado. São as quatro virtudes cardeais".

    * Ser humilde é retribuir a Deus tudo o que Ele nos dá

Aqui o conceito é muito bonito. As quatro virtudes cardeais são aquelas que regulam todas as ações do homem. A justiça, a temperança, a fortaleza e a prudência são as quatro virtudes cardeais. Todas as outras virtudes são especificações dessas.

Então, diz o seguinte: que há em Nossa Senhora como que um rio de humildade, o qual se abre em quatro braços e dá origem às quatro virtudes cardeais.

Quer dizer o quê? Quem for verdadeiramente humilde esse possui torrencialmente as quatro virtudes cardeais. O que é ser verdadeiramente humilde? Já o temos dito várias vezes: é antes de tudo e acima de tudo ser humilde para com Deus.

A humildade para com Deus consiste em reconhecer tudo o que nós devemos a Ele e tributar-Lhe. Ser, portanto, em relação a Deus, amorosos, fiéis, filiais, paladinos da causa d’Ele até o último ponto. Isso é a humildade, porque nós reconhecemos que devemos isso a Ele e fazemos isso assim. Vivemos um holocausto contínuo em relação a Deus. A humildade põe nossa alma nessa posição. E é assim que essa alma fica então com as quatro virtudes cardeais. Assim era Nossa Senhora.

Mas o trecho é muito longo. Eu pretendo retomar em outro dia, se Deus quiser. Aqui os senhores têm um pouco daquele bem-estar de quando ele falava aqui das doçuras de Nossa Senhora. É impossível a gente comentar algo a respeito de Nossa Senhora sem ter a impressão de que está junto a um rio, ou a uma árvore sobrenatural, sentindo aquele bem-estar especial que a gente tem junto aos rios ou às árvores naturais, mas num plano diferente.

Depois de um dia passado numa cidade super-moderna, super-trepidante, super-dinâmica, nós nos termos detido um pouco na consideração desse panorama maravilhoso que é a alma de Nossa Senhora, é uma coisa que sempre nos faz bem. Mais adiante veremos, então, como é que em função desse panorama se vive "em Maria", o que é que São Luís entende por viver em Maria.

  * Exemplos de belezas, riquezas e doçuras da Santa Igreja

(Aparte inaudível)

Fica-se quase na impossibilidade de exemplificar, pela dificuldade de escolher um exemplo no meio de tantas maravilhas...

Mas, por exemplo, as riquezas da Igreja Católica, numa certa ordem, são os Sacramentos. Pode-se imaginar uma coisa mais rica do que os Sacramentos? Rica no sentido francês da palavra "riche", que não é – creio – bem o "rico" do castelhano. Mas basta pensar na Eucaristia, que é o próprio Nosso Senhor Jesus Cristo; basta pensar no Batismo; basta pensar no perdão, na absolvição. A gente vê que são riquezas de ordem sobrenatural em comparação com as quais todas as riquezas da terra são lixo.

  * O Papado

Se nós falarmos da beleza da Igreja Católica - naturalmente pode entrar alguma coisa de pessoal dentro disso - mas eu não creio que haja na Igreja Católica algo de mais belo do que o Sumo Pontificado, o Papado. Um Papa infalível, colocado no alto da Igreja e cujo poder se desdobra através da Sagrada Hierarquia, e por uma jurisdição direta sobre todos os fiéis, tem uma beleza!...

  * A Confissão

Se nós falarmos de raridade na Igreja Católica seria interessante falarmos de uma coisa que a meu ver é um milagre permanente na Igreja — para mim só há um milagre comparável a esse, e é o anti-milagre que o acompanha [do qual tratará logo a seguir]: é haver a Confissão. Porque ter imaginado uma classe de homens — pensem um pouco nisso — incumbida de ouvir os segredos mais internos, às vezes mais vergonhosos de toda a humanidade, e que os homens confiem em que esse segredo não vai ser violado e durante dois mil anos esse segredo não é violado, de tal maneira que a humanidade inteira confia nisso, isso é um milagre moral do outro mundo.

Ou por outra, são dois milagres: um que haja penitentes; e outro que haja confessores. Porque excede a miséria humana. Não está na proporção da miséria humana. É raríssimo, é singularíssimo. De todas as instituições que existiram sobre a face da terra, o confessionário... Se os senhores quisessem raciocinar um pouco, o confessionário é uma coisa do outro mundo! do outro mundo! Só é comparável a esse milagre o anti-milagre – quer dizer, uma coisa que não é milagre, porque propriamente milagre o demônio não pode fazer –, é a insensibilidade dos homens à vista dessa maravilha, que quase não vejo ninguém se extasiar com isso. É uma coisa assombrosa, quase ninguém se extasia. Fica-se indiferente...!

Afunda-se nas escuridões do confessionário, confessa-se, recebe-se um perdão que veio do Céu, ou seja algo fantástico! Conta-se para um desconhecido toda espécie de coisas e sai-se tranqüilo, sem a menor preocupação. E depois, encontra um pobre desconhecido disposto a ouvir aquela vergonheira... e que fica horas dentro do confessionário ouvindo a roupa suja da humanidade inteira desfilar ali. É uma coisa do outro mundo encontrar quem queira fazer isso! Tudo isso é fora dos padrões humanos, sem a graça não se manteria. É raríssimo, não tem nada de igual!

Doçura na Igreja Católica... Só a respeito do confessionário a gente já podia dizer tudo. Mas os senhores já imaginaram essa doçura especial que há na Igreja Católica, que é o modo de a Igreja ser super-genial? Eu fico pasmo que não poucas pessoas não tenham olhos para ver as belezas da Igreja Católica. Fico pasmo como pode acontecer isso em católicos. Os senhores tomam a Acta Apostolicae Sedes. Os senhores pegam aquelas Actas e vejam um Papa qualquer – vamos dizer Pio XI, escolhido assim a esmo. Eu li não toda a Acta Apostolicae Sedes, mas os documentos dele na coleção publicada por La Bonne Presse (de Paris).

Maravilha-me isso: aquele César espiritual que governava vastidões muito maiores do que o Império Romano, os decretos que ele ia baixando... É só percorrer o índice: é uma encíclica a respeito da educação da juventude, válida para o mundo inteiro; logo depois é uma Carta Apostólica – eu estou aqui imaginando, porque eu não me lembro assim ponto por ponto – associando-se ao bimilenário da fundação de não sei que nação católica, em que ele lembra com uma calma e uma naturalidade, que quando a nação nasceu a Igreja já estava presente e que Ela batizou essa nação. E diz com a maior naturalidade que toda a glória que a nação teve depois deveu à Igreja Católica. E depois faz uma pequena recomendação para ela nunca deixar de ser católica se não ela cai no abismo. E depois promete o Céu. E isso com uma naturalidade...

Uma coisa que se fosse feita por qualquer poder terreno seria uma megalomania de estourar. Mas um Papa faz com aquela naturalidade, não do alto de dois mil anos, mas do alto do Céu para a Terra. Logo depois, um decreto constituindo uma prelazia apostólica no Urundi-Burandi na África, que começa assim: “Diletíssimos filhos do lago Tchad – eu nem sei a geografia da África, mas estou imaginando –, desde há tempos essa Sé Apostólica, que sempre amou a vossa raça de modo especial, tem mandado para lá missionários etc. Ainda no século passado, nosso antecessor Fulano de Tal, de santa e gloriosa memória, mandou tal Congregação religiosa assim. Assinalou-se então uma série de martírios... (e vem então o esplendor do martírio assim, que regou essa terra com tal..., que veio tal desenvolvimento da vida religiosa), que Nós, hoje, colhendo o que nossos santos predecessores plantaram, temos a felicidade de declarar instituída para todo o sempre etc. etc., a prelazia tal (e traça os limites de uma nova província do Império dele, com limites tais, tais. E depois, aquelas formas magníficas): quem violar essa seja para sempre excomungado isso, aquilo, aquilo... e termina com uns raios percorrendo e assim por diante...

Eu não compreendo como não se possa achar isso bonito. Estou para compreender. Para mim isso é mistério. Eu não compreendo...

Passa-se disto para um outro problema. É uma crise surgida, por exemplo, na universidade católica de X, referente a um problema nebuloso entre o livre arbítrio e a graça. Então: “Ouvidos nossos irmãos da Sagrada Congregação de não sei o quê etc. e invocando o Divino Espírito Santo, havemos por bem dizer que...” E vem um ponto qualquer. Quer dizer, assim, isso a mão cheias, não é verdade?

A gente quase não sabe dizer o que é mais belo, a não ser o seguinte: a gente vê, por exemplo, a vida de um Churchill, uma vida suada, dura. E todas aquelas coisas insignes que ele fez, a gente vê que ele as fez resfolegando, como uma locomotiva sobe uma ladeira: chuuu... chuuu... e sai fumaça de todo lado. O velho Churchill chega no alto contente de estar suando. O Papa, não. Ele se movia nessas vastidões, calmo, tranqüilo, passando do Céu para a Terra, definindo verdades sobre o inferno, ameaçando, louvando, recompensando, resolvendo, com uma naturalidade, com uma calma de um super-gênio. Onde os Churchills perdem o fôlego, o Papa age como quem colhe uma flor... Há uma doçura nessa desenvoltura, há uma suavidade que eu não sei como é que não se nota.

Uma coisa que eu gostaria de fazer era uma longa “viagem” pela Igreja Católica, comentando as belezas e maravilhas da Igreja Católica.

  * O Santíssimo Sacramento...

Os senhores querem uma coisa mais maravilhosa, mais fantástica: poder imaginar que nessa hora, por vários caminhos da terra, em inúmeros altares, em todos os sacrários, por vários caminhos da terra, Nosso Senhor Jesus Cristo está realmente presente? Ele estará num avião, Ele estará num automóvel, Ele estará visitando pela última vez uma pessoa piedosa que morre, Ele estará ao mesmo tempo entrando num antro qualquer para levar o perdão e a Eucaristia sagrada a uma pessoa pecadora que vai morrer também; Ele está entrando numa prisão para reanimar os prisioneiros...

A gente então aplicar a Ele o que Ele disse: “Eu estive nu, vós me vestistes; eu tive fome, vós me destes de comer”. Ele faz isso continuamente com todo mundo no sentido espiritual e, se a gente fosse analisar, até no sentido material da palavra. Essa ação de Nosso Senhor Jesus Cristo na terra depois da Ascensão, essa presença dEle depois da Ascensão prolongando a ação dEle no Evangelho, a presença real, se poderiam fazer mil epopéias a esse respeito.

Entretanto, faz-se poesia sobre a rosa, sobre gatos, sobre o que queiram, e não se sabe fazer poesia a respeito disso...! Olham-se essas maravilhas todas com indiferença!

Essa é a nossa Santa e - em certo sentido da palavra -  divina Igreja Católica, Apostólica Romana. Por mais que se falasse dEla, a gente não acabaria de falar. Por mais que a gente procurasse sondar a insensibilidade dos católicos diante da Igreja, a gente não teria conseguido levar até o fim. É uma coisa fantástica!

Bom, meus caros, eu acho que podemos terminar.

 


(*) TRATADO DA VERDADEIRA DEVOÇÃO À SANTÍSSIMA VIRGEM, por São Luís Maria Grignion de Montfort; 19ª edição – Editora Vozes – Petrópolis, 1992.

Esta conferência se insere em um conjunto de comentários sobre o "Tratado" e a devoção a Nossa Senhora, segundo o método de São Luis Maria Grignion de Montfort, feitos pelo Prof. Plinio Corrêa de Oliveira. Sugerimos a nossos visitantes a leitura dos já publicados, a saber:

- São Luís Grignion de Montfort: amplitude do auxílio de Nossa Senhora aos que sabem invocá-La

- Fazer todas as coisas “com Maria, em Maria e por Maria”

- Viver em Maria: comentários aos tópicos 262 e 263


 

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