Capítulo III
"Esta é a nossa finalidade, o
nosso grande ideal.
Caminhamos para a civilização
católica
que poderá nascer dos escombros do
mundo moderno,
como dos escombros do mundo romano
nasceu a civilização medieval"
EM DEFESA DA ACÇÃO CATÓLICA
1. Pio XI e a Acção Católica
As origens da Acção Católica remontam, em sentido lato, aos anos tempestuosos
transcorridos entre a Revolução Francesa e a Restauração, nos quais, perante os
crescentes ataques à Igreja e à Civilização Cristã, se tornou cada vez mais
premente a necessidade de organizar o laicato católico. Ao ex-jesuíta
Nikolaus Albert von Diessbach (1) e ao seu
discípulo Pio Brunone Lanteri
(2) deve-se a constituição da Amicizia Cristiana e depois da Amicizia Cattolica, as quais integraram o grande apostolado dos
leigos católicos dos séculos XIX e XX (3).
(1) Sobre o Padre Nikolaus Albert Joseph von Diessbach (1732-1798) e sobre as Amicizie, cfr. Candido BONA I.M.C., "Le `Amicizie', società segrete e rinascita religiosa (1770-1830)", Deputazione Subalpina di Storia Patria, Turim, 1962; R. DE MATTEI, "Idealità e dottrine delle `Amicizie"', Biblioteca Romana, Roma, 1980.
(2) Sobre Pio Brunone Lanieri (1759-1830), declarado venerável em 1967,
além das obras citadas na nota precedente, cfr. R. DE MATTEI,
"Introduzione a Direttorio e altri scritti del venerabile P B.
Lanteri", Cantagalli, Siena, 1975; Paolo CALLIARI, O.M.V., "Servire
la Chiesa. Il venerabile Pio Brunone Lanteri (1759-1830)",
Lanteriana-Krinon, Caltanisetta, 1989. Mons. Francesco OLGIATI indicava Pio
Brunone Lanteri como "um dos símbolos mais eloquentes do apostolado in
generi e da Acção Católica in specie" (Prefácio de lcilio FELICI, `Una
bandiera mai ripiegata. Pio Brunone Lanieri, fondatore dei Padri Oblati di
Maria Vergine, precursore dell'Azione Cattolica", Tip. Alzani, Pinerolo, 1950, p. 6).
Sobre as Amicizie de Diessbach
e Lanteri o prof. Fernando FURQUIM DE ALMEIDA dedicou
importante série de artigos em Catolicismo.
(3) Para um quadro do
apostolado leigo no último século, cfr. Silvio TRAMONTIN, "Un secolo di
storia della Chiesa. Da Leone XIII al Concilio Vaticano II, Studium,
Roma, 1980, vol. II, pp. 1-54.
Sob o pontificado de Pio IX foram instituídas várias associações leigas
para combater o processo de descristianização da sociedade; o Piusverein na Suíça, o Katholischenverein
na Alemanha, a Asociación de Laicos na Espanha, a Union Catholique na Bélgica, a
Ligue Catholique pour la Défense de l'Église
na França, a Catholic Union
na Inglaterra, a Opera dei Congressi na Itália. Mas o
grande promotor da Acção Católica foi São Pio X (4) que, na Encíclica Il Fermo Proposito
(5) e na Carta Apostólica Notre Charge
Apostolique (6), indicou com clareza os princípios e
os objectivos, condenando o modernismo político e social, representado na
França pelo Sillon de Marc Sangnier (7) e na Itália pela "Democracia-Cristã
de Romolo Murri (8).
(4) Assim o define Pio XII na Alocução para a sua beatificação de 3 de
Junho de 1951, in DR, vol. XIII, p. 134.
(5) S. Pio X, Encíclica Il fermo
proposito de 11 de Junho de 1905, cit.
(6) S. Pio X, Carta Notre Charge
Apostolique, de 25 de Agosto de 1910, in IP, vol. VI, "La pace interna delle nazioni", cit., pp.
268-298 e in Lepanto, n° 96-97 (Março-Abril de 1990).
(7) Sobre o Sillon de Marc Sangnier (1873-1950), cfr. as obras do P.
Emmanuel BARBIER, "Les démocrates chrétiens et le modernisme",
Lethielleux, Paris, 1908, pp. 358-392; id., "Le devoir politique des
catholiques", Jouve, Paris, 1909.
(8) Sobre Romolo
Muni (1870-1944), cfr. Maurilio GUASCO, "Romolo Murri. Tra la `Cultura
Sociale' e il `Domani d'Italia' (1898-1906)", Studium, Roma, 1988; Benedetto
MARCUCCI, "Romolo Murri. La scelta radicale", Marsilio, Veneza,
1994.
Depois do breve pontificado de Bento XV, foi eleito Papa, em 6 de Fevereiro
de 1922, com o nome de Pio XI, o Cardeal Achille Ratti, ex-Prefeito da Biblioteca Vaticana,
que poucos meses antes do Conclave assumira o Arcebispado de Milão. Foi ele
quem comunicou à Acção Católica a sua fisionomia jurídica e o seu prestígio na
Igreja.
Desde a sua primeira Encíclica Ubi Arcano Dei,
Pio XI tinha querido estimular a "santa batalha" daquele
"complexo de iniciativas, de instituições e de obras que levam o nome de
Acção Católica" (9). Na Encíclica Quas Primas
(10), de 11 de Dezembro de 1925, Pio XI tinha exposto o fundamento escriturístico, litúrgico e
teológico do Reino social de Jesus Cristo, afirmando que "erraria
gravemente quem subtraísse a Cristo-Homem o seu poder
sobre todas as coisas temporais" (11) porque, como já havia afirmado Leão
XIII (12), "todo o género humano está sob o poder de Jesus Cristo". O
Papa denunciava ainda como "a peste da nossa época", o assim chamado
"laicismo com os seus erros e os seus ímpios
incentivos" (13).
(9) "Dizei aos vossos irmãos no laicato –escrevia o Papa– que quando
eles, unidos aos seus Sacerdotes e aos seus Bispos, participam nas obras de
apostolado individual e social, a fim de fazer conhecer e amar Jesus Cristo,
então mais do que nunca eles são o genus electum, o regale sacerdotium, a gens sancta, o povo de Deus que
São Pedro exalta" (Pio XI, Encíclica Ubi arcano,
de 23 de dezembro de 1922, in IP, "Il laicato", vol. IV (1958), p. 274). Entre os
numerosos textos de Pio XI referentes à Acção Católica, recordamos a carta ao
Cardeal Bertram, Arcebispo de Breslaw
(1928), a dirigida ao Primaz da Espanha (1929), a enviada ao Arcebispo de Malines (1929), a endereçada ao Episcopado mexicano (1937).
Na bibliografia, vejam-se as duas documentadas teses de doutoramento de Walter Scheier, "Laientum und Hierarchie,
ihre theologischen Beziehungen unter besonderer Berücksichtigung des Lehramtes unter
Pius XI und Pius XII”, Pontificium Atheneum Internationale Angelicum, Freiburg im Breisgau, 1964; Jean-Guy DUBUC, "Les relations entre hiérarchie et laicat dans l'apostolat
chez Pie XI et Pie XII”, Pontificia
Università Gregoriana,
Roma, 1967.
(10) Pio XI, Encíclica Quas Primas de 11 de Dezembro de 1925, in IP, vol. VI, "La pace interna delle nazioni", cit., pp. 330-351.
(11) Ibid., p. 339.
(12) Leão XIII, Encíclica Annum Sacrum de 25 de Maio de 1899, in IP, vol. I, "Le fonti della vita spirituale", cit., p. 191.
(13) Ibid., p. 349.
A sua visão da História era análoga à dos seus predecessores:
"Sabeis –afirmava– que tal impiedade não amadureceu num único dia, mas
há muito tempo estava incubada nas vísceras da sociedade. Na verdade,
começou-se por negar o império de Cristo sobre todos os povos: negou-se à
Igreja o direito - que emana do direito de Jesus Cristo - de ensinar os povos,
de fazer leis, de governar os povos para os conduzir à eterna felicidade. E
pouco a pouco a religião cristã foi igualada a outras religiões falsas e indecorosamente rebaixada ao nível destas; em conseqüência, foi submetida ao poder civil e foi deixada
quase ao arbítrio dos príncipes e magistrados; indo mais além, houve quem
pensasse substituir por certo sentimento religioso natural a religião de
Cristo. Não faltavam Estados os quais julgaram poder dispensar-se de Deus,
pondo a sua religião na irreligião e no desprezo do próprio Deus" (14).
(14) Ibid., pp. 343-344.
Pio XI confiava aos católicos a tarefa de recristianizar
a sociedade, estendendo e incrementando o Reino de Cristo, e para este fim
introduziu a festa litúrgica de Cristo Rei, a ser
celebrada anualmente no último domingo do mês de Outubro. "A celebração
desta festa –afirmava– constituirá também uma admoestação para as nações, de
que o dever de venerar publicamente Cristo e de Lhe prestar obediência, diz
respeito não só aos particulares, mas também aos magistrados e aos
governantes" (15).
(15) Pio XI, Encíclica Quas Primas, cit., p. 343.